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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro "erra" ao dizer, na TV, que mais pobres pagarão menos com reforma

Leonardo Sakamoto

24/04/2019 22h17

Em seu pronunciamento em cadeia nacional, na noite desta quarta (24), o presidente Jair Bolsonaro celebrou a aprovação do projeto da Reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados – apenas o primeiro passo do trâmite pelo Congresso Nacional. Dizendo "contar com espírito patriótico dos parlamentares", ele destacou que ela irá "reduzir a desigualdade social" porque "os mais pobres pagarão menos".

A despeito da proposta trazer, acertadamente, uma alíquota progressiva de contribuição, em que os assalariados que ganham menos pagarão menos e os que ganham mais desembolsarão mais, os "mais pobres" não pagarão menos necessariamente.

Pelo contrário, parte daqueles que estão entre os mais pobres – produtores rurais, pescadores artesanais, extrativistas, os seja trabalhadores da economia familiar rural – contam com uma aposentadoria especial: precisam comprovar 15 anos de trabalho no campo para pleitearem um salário mínimo mensal, além de uma idade mínima de 60 anos (homens) e 55 (mulheres).

A lei prevê recolhimento de imposto previdenciário no momento da comercialização de sua produção, o que nem sempre acontece. O mais importante, contudo, é comprovar o tempo de trabalho no campo, não a contribuição.

A Reforma da Previdência de Bolsonaro dificulta as exigências para que esse grupo social se aposente. O tempo de trabalho vai a 20 anos. A idade da mulher se equipara à do homem, aos 60. E, o mais relevante: se o valor de imposto arrecadado no momento da venda dos produtos não atingir um patamar mínimo, o núcleo familiar terá que completar uma cota até chegar a uma contribuição anual de R$ 600,00.

A atividade rural está exposta a uma série de fatores como sol, chuva, clima, ataque de pragas, variação do preço do produto – que, às vezes, não paga nem o custo da produção. Por isso, ao final de um ano, a renda líquida é, não raro, insuficiente até para a sobrevivência, sendo necessário suporte de programas como o Bolsa Família.

Ou seja, hoje ele não precisa pagar. Com a proposta de Bolsonaro, pagará o equivalente a R$ 50,00 por mês e corre o risco desse trabalhador não poder se aposentar. Definitivamente, isso não significa "pagar menos".

Há propostas que dificultam a aposentadoria dos funcionários públicos, principalmente daqueles que recebem mais. Contudo, a Reforma da Previdência também traz um pacote de "maldades" com os mais pobres a tal ponto que o presidente não deveria dizer que ele reduz a "desigualdade social".

Primeiro, há a mudança na concessão do Benefício de Prestação Continuada – em que idosos em situação de miséria passariam a receber um salário mínimo apenas aos 70 anos e não mais aos 65, como é hoje, começando a receber R$ 400,00 dos 60 aos 69. Vale lembrar que idosos pobres conseguem fazer bicos com mais facilidade aos 64 do que aos 69, além do seu custo de sobrevivência ser exponencialmente maior à medida em que envelhece nessa faixa etária.

A maioria dos partidos no Congresso Nacional prometeu barrar esses dois pontos. Mas representantes do governo seguem reafirmando a importância de mantê-los.

E temos outras situações que devem dificultar a vida dos mais pobres. O aumento no tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos vai afetar a classe média baixa e baixa, que passam longos períodos da vida em trabalhos informais, que já se aposentam por idade e mal conseguem contribuir as 180 parcelas mensais, imagine 240.

E, o pior: com 20 anos, a aposentadoria não será de 90% da média salarial, como é hoje para duas décadas de contribuição, mas apenas 60%.

O fim do abono salarial para quem ganha entre um e dois salários mínimos vai impactar milhões.

A alteração no recebimento de pensões, que podem deixar de ter o valor integral da aposentadoria, abre a brecha para órfãos e viúvas ganharem apenas 60% de um salário mínimo por mês.

Isso sem falar na previsão da introdução do sistema de capitalização com contas individuais. Mal detalhada pelo governo, pode abrir caminho para a redução dos rendimentos dos aposentados, fazendo com que os "pobres" entrem na categoria "mais pobres".

A Previdência precisa ser discutida e aprimorada para uma nova realidade etária e a redução de desigualdades.

Mas se o presidente quer usar um discurso mais alinhado com a realidade deveria retirar esses pontos de sua proposta. Caso contrário, parece que ele ou ela estão mentindo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.