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Leonardo Sakamoto

Incapaz de dialogar sem guerra, Bolsonaro abriu espaço para general Mourão

Leonardo Sakamoto

25/04/2019 04h19

Foto: Sergio Lima/AFP

Um vice hostil não é a novidade. Para ser bem honesto, é um clichê horrível. Se a cúpula do governo se interessasse por livros de História, veria que bons presidentes, em todo o mundo, gastaram energia para garantir que essa figura jogasse pelo time e não contra ele, aproveitando o que ela tinha de melhor.

O que tem espantado, porém, é a insegurança com a qual Bolsonaro e família têm reagido diante da busca de Hamilton Mourão por protagonismo. Devemos dar um desconto ao presidente, claro, pois é um novato nesse negócio de política – afinal, foram apenas 28 anos no Congresso Nacional, pouco tempo para aprender a dialogar e construir coletivamente. Mesmo assim, a falta de confiança na própria capacidade de se manter no poder é surpreendente.

O que não deixa de ser uma forma involuntária de autocrítica.

Quem lê este blog já há alguns anos sabe que tratei de forma dura o hoje vice-presidente por declarações golpistas, preconceituosas e excludentes que ele proferiu quando ainda era general da ativa e, depois, durante a campanha eleitoral do ano passado. Mas, agora, seja por estratégia, marketing ou sabedoria, ele tem demonstrado mais equilíbrio, racionalidade e maturidade que o presidente.

Coisa que os mais otimistas afirmaram que aconteceria com Bolsonaro ao assumir a Presidência da República. Aquela conversa para boi dormir, de que a liturgia do cargo mudaria o homem [sobe som de risos]. Esses mesmos sonhadores devem ter ficado decepcionados ao constatar que o coelho não chegou com uma cesta de ovos no domingo passado.

Não digo que concordo com o que pensa Mourão. Até porque ele continua dando declarações bizarras aqui e ali, como a sua polêmica mais recente: em uma entrevista ao jornal francês Le Monde, disse que a última ditadura brasileira "matou muito poucas pessoas".

Mas é natural que ele acabe preenchendo um vácuo deixado pelo próprio presidente da República. Por se mostrar mais aberto a conversas que não girem em torno de "golden shower", "nazismo de esquerda" e "ideologia de gênero" e por não chamar a imprensa de "fake news" dia sim, dia também, ele vê gente cair por gravidade para perto dele.

A Maior Crise do Governo de Todos os Tempos da Última Semana deve ser computada na incapacidade da família Bolsonaro de fazer política sem entrar em guerra. Acostumada a sobreviver do conflito e não no diálogo, ela tenta mostrar a seus fãs que o mundo é caótico e só uma liderança populista, carismática e conservadora garantirá a travessia em meio ao tumulto. O problema é que o custo humano e material desse processo é impagável no longo prazo.

A origem da insegurança e do medo diante do vice reside, portanto, no próprio presidente da República e em sua família. Não por conta de uma paranoia não-medicada, mas pela incapacidade de Bolsonaro em fazer o que foi eleito para fazer: governar um país, articulando diferentes interesses e diferenças, organizando a equipe para lançar projetos para enfrentar os problemas nacionais. E não tocar um Ministério da Verdade, como no livro 1984, de George Orwell, responsável por, entre outras coisas, ressignificar os registros históricos.

O Brasil sofre com um desemprego de 13,1 milhões de pessoas. Já passou do momento de Bolsonaro apresentar um programa para fomentar a geração de postos de trabalho. Garanto que se ele implementar ações eficazes voltadas ao aquecimento da economia, ao invés de apostar todas as fichas na Reforma da Previdência, terá um país menos insatisfeito diante de si. E ele e sua família não precisarão ficar inseguros diante de ninguém.

Em tempo: Nesse caldo, Olavo de Carvalho não apenas como porta-voz, mas também como um totem a ser cultuado, agregando e dando sentido às coisas. Mas é um totem descartável, que seguirá reverenciado pelo governo enquanto for útil.

Post atualizado às 18h40, do dia 25/04/2019, para inclusão de informação sobre entrevista de Mourão ao Le Monde.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.