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Leonardo Sakamoto

Manifestação contra cortes na educação teve um toque de Junho de 2013

Leonardo Sakamoto

15/05/2019 22h09

Manifestação pela educação na avenida Paulista, em São Paulo. Fotos: Leonardo Sakamoto

A manifestação contra os cortes no orçamento da Educação, promovidos pelo governo Jair Bolsonaro, teve um toque de jornadas de Junho de 2013. Pelo menos no ato principal em São Paulo, que teve concentração na avenida Paulista.

Para além das entidades nacionais e regionais estudantis, das associações de classe e dos sindicatos de professores, e de seus carros de som e balões, havia uma participação muito expressiva de estudantes dos ensinos médios e superior que atenderam ao chamamento para o protesto, mas não estavam ligados a nenhuma instituição, movimento ou partido político.

Ostentavam seus cartazes com seus protestos individuais ou levavam faixas, com o protesto de suas turmas, coletivos, centros acadêmicos e grêmios. Ou vieram carregando palavras de ordem por uma educação de qualidade, mas também seu descontentamento com tudo isso que tá aí, talkey?

A crítica à Reforma da Previdência ou a demanda pela libertação de Lula, que também são pautas legítimas, não estavam entre as prioridades desse grupo sem lideranças definidas e sem carros de som.

"Bolsonaro não faz ideia de quem eu sou, de quem minhas amigas são para dizer uma merda dessas", disse-me uma estudante, reclamando da declaração do presidente que tachou os manifestantes de "idiotas úteis" e "massa de manobra". "Ele sabe, mas quer convencer que a gente é zumbi", retrucou uma amiga.

Se o presidente queria, com essas inacreditáveis declarações, deixar estudantes zangados, conseguiu. É possível dizer que ela foi tão desastrada quanto a forma como seu ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou inicialmente os cortes no orçamento das universidades federais – dizendo que seriam afetadas as instituições que promoviam "barbúrdia".

"É natural [que haja protesto], agora a maioria ali é militante. Se você perguntar a fórmula da água, não sabe, não sabe nada. São uns idiotas úteis, uns imbecis, que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo de muitas universidades federais no Brasil", afirmou o presidente, nesta quarta (15), em meio à paralisação nacional, segundo registro de Marina Dias, da Folha de S.Paulo.

Isso também serviu como senha para seus seguidores nas redes sociais entrarem na disputa simbólica dessas manifestações, vendendo-as como atos partidários travestidos de manifestações pela educação. 

Ainda é cedo para entender os desdobramentos desse movimento. Mas conversei com vários estudantes e havia, entre eles, o descontentamento difuso que estava presente em junho de 2013. As pessoas estavam lá por educação – uma pauta que agrega muito mais que o direito ao transporte e é aceita como prioridade em todo o espectro ideológico. Mas também traziam sua insatisfação pela forma como as coisas andam.

A maioria dos jovens que coalharam as ruas há seis anos não voltaram para defender ou criticar o impeachment, como mostraram institutos de pesquisa. As manifestações pelo impeachment, por exemplo, tinham média etária e de renda bem mais altas. Os estudantes permanecerem em compasso de espera por não se verem representados pelo que estava lá e suas narrativas.

Enquanto isso, movimentos e grupos que se autointitularam como "herdeiros" das jornadas de junho, de um lado e de outro, apesar de não serem. Os únicos que poderiam se nomear assim, por sua natureza e estrutura, foram aqueles que ocuparam escolas em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio de Grande do Sul, Ceará, Goiás, entre outros lugares, para protestar contra a imposição de projetos de "reorganização" escolar, a falta de qualidade na educação ou de merenda nos anos seguintes. Ou as meninas e moças que coalharam as ruas de várias cidades brasileiras, inaugurando o grito de "Fora, Cunha!", após um projeto do então todo-poderoso presidente da Câmara dos Deputados, que dificultava o aborto legal, caminhar no Congresso.

Porém, não basta um estopim, como foi a violência contra as manifestações naquela quinta, 13 de junho de 2013. É necessário um conjunto de outros elementos que criem uma nova tempestade perfeita, incluindo insatisfação, falta de perspectivas, sensação de impotência. Ou seja, tudo aquilo que também vivemos hoje, mas em outro grau.

Não sei se um movimento como o de 2013 (cujo simbolismo tem sido ressignificado por outros grupos políticos de acordo com seus próprios propósitos), seria capaz de eclodir novamente neste Brasil de 2019. Mas, se acontecer, seria fatal a qualquer governo.

Considerando isso, fico pensando que a estratégia de Jair Bolsonaro não foi a melhor possível. Ele tem estrutura e recursos para influenciar no debate público na rede. Mas a insatisfação a um governo é um motivo, como ele bem sabe, muito mais forte para sair à rua do que a defesa deste. Além disso, ele não é capaz de controlar todas as variáveis que compõem o imponderável – um dos protagonistas de processos catárticos.

A imagem de um mar de estudantes e professores ocupando as ruas de cidades por todo o país nesta quarta já circulam pelo mundo. Qual será o tamanho da próxima? O governo deve manter a sua política de cortes e não voltar atrás, cometendo os mesmos erros dos políticos que vieram antes dele? Chegará o momento em que vídeos de estudantes apanhando de polícias circularão pelas redes como em junho de 2013?

Alguns dos estudantes com os quais conversei estavam participando de um protesto, como esse, pela primeira vez. E, apesar de zangados, tomaram gosto pela rua. Quando isso acontece, é difícil querer sair.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.