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Leonardo Sakamoto

Frustrado, Bolsonaro demonstra que não sabe governar em uma democracia

Leonardo Sakamoto

20/05/2019 20h46

Após cinco meses de governo, Jair Bolsonaro ainda não se deu conta de que, em uma democracia, o sistema é organizado para que um poder da República seja monitorado, balizado e contido pelos demais para que não opte por caminhos extravagantes, que não estejam previstos na lei. Encara, portanto, como defeito uma qualidade da democracia: a possibilidade de impedir o surgimento de regimes autoritários e despóticos, nos quais inexiste barreira entre a vontade expressa de seu líder e a realidade.

"O grande problema do Brasil é a classe política", disse Bolsonaro, na manhã desta segunda (20), em evento no Rio de Janeiro. À tarde, seguindo o padrão presidencial de falta de padrão, afirmou: "nós valorizamos sim o parlamento brasileiro".

Bolsonaro é político há décadas e seus três filhos mais velhos também são políticos. Eles nos fazem lembrar cotidianamente o quão complicada pode ser a classe política, com suas necessidades pessoais, familiares e corporativas passando por cima dos interesses nacionais.

Mesmo assim, a democracia representativa continua sendo a menos pior das opções. As soluções encontradas através dela podem não ser as melhores, mas ainda assim seus erros são menos danosos do que a ignorância de ditadores.

Se os crescentes ataques do presidente da República e de seus seguidores ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal preocupam pela frequência e ferocidade, eles também demonstram que o sistema – até agora – vem funcionando.

Cada vez mais frustrado por não conseguir impor sua visão de país, sendo derrotado no parlamento e tendo decisões questionadas no STF pelo Ministério Público Federal, Bolsonaro promete inundar as ruas com seguidores. Nos mesmos memes que convidam para manifestações há demandas pela aprovação da Reforma da Previdência, do pacote legislativo de Sérgio Moro e da nova estrutura de governo, mas também pedidos de impeachment de membros do Judiciário, prisão de líderes políticos, ataques a veículos de comunicação e fechamento do Congresso Nacional. O presidente não vem a público ameaçar um golpe, mas nem precisaria.

Bolsonaro é o político que, por desconhecer as regras, joga damas com peças de xadrez. E, ao perceber que está tendo dificuldades, pede ajuda para melar a partida. Deveria ter aprendido as regras, afinal ficou 28 anos no Congresso Nacional. Mas estava mais preocupado em derrubar as peças dos outros jogadores do que aprender as estratégias para movimentá-las.

Demonstra falta de interesse ou despreparo para articular os interesses de seu governo e do país junto ao Congresso Nacional; acredita de forma messiânica, que ao revelar a "verdade" aos parlamentares, ela os libertará; percebe como suja toda e qualquer negociação para atendimento de demandas justas de parlamentares (sim, elas existem); evita repartir poder, por mais que sua base partidária seja restrita a 54 dos 513 deputados federais; e mobiliza hordas de fãs e seguidores em redes sociais e aplicativos de mensagens para desmentir e atacar jornalistas, opositores e mesmo aliados que adotam viés crítico a suas ações.

Em sua cabeça, Bolsonaro foi eleito para destruir a política que está aí e implementar algo – que ele acha que é novo, mas tem 50 anos – no lugar. Não corromper e ser corrompido deveria ser condição mínima para atuar na vida pública, mas não é isso que ele está combatendo ao criminalizar a política. Pelo contrário, ao administrar tentando agradar apenas quem ele enxerga como seu semelhante e atacar os freios e contrapesos que limitam seus poderes na República, o presidente faz algo tão antigo quanto a própria política. Às vezes, isso descamba para a irrelevância, às vezes para a tirania.

Neste domingo, Bolsonaro postou um vídeo em que um pastor afirma que ele foi "escolhido por Deus" para comandar o país. O que é pertinente não apenas para a narrativa de que está em uma "cruzada" em nome de valores reacionários, mas também mostra a seus seguidores que Jair Messias representa o "bem" enfrentando o "mal". E o que é o mal? Tudo o que ele assim nomear.

Antes dele, outros disseram isso. Como Michel Temer: "Tenho orgulho de ser presidente. É algo que, não sei como Deus me colocou aqui, dando-me uma tarefa difícil, mas, certamente, para que eu pudesse cumpri-la".

No Evangelho atribuído a Mateus, capítulo 22, versículo 21, está escrito "Dai, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus". Isso é tão simples mas, ao mesmo tempo, tão difícil de ser entendido.

Ou seja, o que se espera de Bolsonaro não é que seja o salvador de um povo, pois o Brasil precisa ser salvo apenas de autointitulados salvadores. Mas que ele proponha um programa de governo para gerar postos de trabalho e renda para 13,4 milhões de desempregados, por exemplo. Para tanto, terá que aprender a trabalhar junto com outras pessoas, compondo com aliados, dialogando com adversários, aceitando que nem tudo será como ele quer, mas como a Constituição permitir.

Não há possibilidade da economia voltar a crescer se Bolsonaro não parar de sabotar o seu próprio governo e resolver fazer política ao invés de promover a guerra. O problema é que ele pode ter atingido um ponto de não-retorno, em que não importa o que faça, a política e a economia não vão levá-lo a sério.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.