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Leonardo Sakamoto

Governo vai substituindo o método científico pelo culto ao achismo

Leonardo Sakamoto

05/06/2019 20h55

Durante o lançamento do Atlas da Violência, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) discordou do estudo realizado por sua própria equipe, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirmando que acredita não haver relação entre facilitar o acesso a armas de fogo e o aumento da violência, como registrou Igor Mello, do UOL.  Carlos von Doellinger defendeu também a posse de armas por cidadãos.

O presidente do Ipea foi indicado ao cargo por Paulo Guedes. O ministro da Economia, por sua vez, limitou a verba para o Censo do ano que vem e, criticando o tamanho do questionário a ser aplicado pelo IBGE para determinar que país é esse, pediu o corte no número de perguntas, afirmando que muitas delas são desnecessárias.

Já Guedes foi conduzido à posição em que está por Jair Bolsonaro, que não acredita na metodologia do cálculo de desemprego do IBGE. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua segue padrões internacionais, mas o presidente sente que o número é subdimensionado. Desdenhando de ferramentas baseadas em métodos científicos, prefere acreditar em seu feeling.

Outro que descarta dados científicos e deduz que o país vive uma epidemia de violência causada pelas drogas por ter visto as ruas de Copacabana vazias é o ministro da Cidadania, Osmar Terra. Sua pasta engavetou um levantamento nacional sobre o uso de psicoativos que foi realizado, durante três anos, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – uma dos mais importantes centros de pesquisa do mundo, que entrevistou 16 mil pessoas e usou 500 pesquisadores. O governo não quis divulgar o resultado, apesar de ter sido o Estado brasileiro a selecionar a instituição. "Eu não confio nas pesquisas da Fiocruz", disse o ministro ao jornal O Globo.

O fato do governo federal desdenhar das ferramentas científicas ajuda a explicar a falta de cuidado que a atual administração tem com o financiamento da pesquisa e da produção de conhecimento no país. E porque é tão fácil bloquear novas bolsas de mestrado e doutorado por aqui.

O problema de contestar bons termômetros científicos e adotar crenças pessoais como referência é que perdemos um tempo precioso – que poderia estar sendo usado para apoiar e construir soluções para a violência, o desemprego ou o uso abusivo de drogas.

Se a sociedade seguir o caminho equivocado que está sendo trilhado pelo governo, em algum momento irá se refugiar em igrejas e templos quando, em um eclipse, o sol ou a lua forem devorados. Ou, pior: vai uivar para o céu, em desespero.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.