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Leonardo Sakamoto

"Pergunta idiota": Mulheres jornalistas são alvos favoritos de Bolsonaro

Leonardo Sakamoto

27/07/2019 12h57

Um helicóptero da Força Aérea Brasileira foi usado para transportar parentes e amigos do presidente da República para o casamento de seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro em maio – fato revelado pelo site G1. Diante de uma pergunta da Folha de S.Paulo sobre o caso, um irritado Bolsonaro chamou a questão de "idiota". Confrontado por outro jornalista sobre a razão de não ter respondido a pergunta, encerrou a entrevista coletiva, em Goiânia, e saiu andando.

"Com licença, estou numa solenidade militar, tem familiares meus aqui, eu prefiro vê-los do que responder uma pergunta idiota para você. Tá respondido? Próxima pergunta." Ele não deixou a jornalista Talita Fernandes terminar a questão.

Não é a primeira vez que o presidente da República age de forma destemperada com profissionais de imprensa. Mas começa a se desenhar um padrão nesse comportamento agressivo e público: os casos mais gritantes envolvem mulheres como alvos.

No dia 10 de março, Bolsonaro usou sua conta no Twitter para compartilhar informação falsa sobre uma repórter do jornal O Estado de S.Paulo. Um site bolsonarista havia trazido uma postagem de um blog francês que atribuiu falsamente à jornalista Constança Rezende a declaração "a intenção é arruinar Flávio Bolsonaro e o governo". Quando o conteúdo distorcido já circulava, via redes sociais, Bolsonaro bombou a informação, promovendo um linchamento virtual presidencial da jornalista a seus milhões de seguidores no Twitter.

"Constança Rezende, do 'O Estado de SP' diz querer arruinar a vida de Flávio Bolsonaro e buscar o Impeachment do Presidente Jair Bolsonaro. Ela é filha de Chico Otavio, profissional do 'O Globo'. Querem derrubar o Governo, com chantagens, desinformações e vazamentos." A inserção do nome do jornalista de O Globo, que tem coberto a relação entre milícias e o antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, tenta vender a tese de que existiria um complô contra o governo.

No dia 16 de maio, Bolsonaro atacou a repórter Marina Dias, da Folha de S.Paulo, que lhe perguntou sobre os cortes no orçamento da educação em uma entrevista coletiva em Dallas, nos Estados Unidos. Visivelmente irritado por conta das manifestações de estudantes e professores realizadas em todo o país, no dia anterior, ele criticou o uso de "corte" ao invés de "contingenciamento" – termo através do qual seu governo vem tentando justificar os bloqueios por prazo indeterminado de recursos que impedem instituições federais de ensino funcionarem conforme o planejado.

"Primeiro, você, da Folha de S.Paulo, tem que entrar de novo numa faculdade que presta e fazer um bom jornalismo. É isso que a Folha tem que fazer e não contratar qualquer uma ou qualquer um para ser jornalista, para ficar semeando a discórdia e perguntando besteira por aí e publicando coisas nojentas. É isso que vocês da Folha têm que fazer", afirmou. Ao fundo, uma claque batia palmas enquanto ele atacava a jornalista, o mesmo que aconteceu na coletiva de Goiânia, nesta sexta. Depois, subiu um vídeo com a cena em suas redes sociais, o que incitou seus seguidores a assediarem a repórter.

No dia 19 de julho, durante uma café da manhã com correspondentes estrangeiros, Bolsonaro foi questionado sobre o fato da jornalista Miriam Leitão e de seu marido, o sociólogo Sérgio Abranches, terem sido desconvidados de uma feira do livro em Jaraguá do Sul (SC) após pressão de grupos de extrema direita. Após dizer que ela precisava aprender a receber críticas como ele aprendeu (sic), passou a atacá-la. Disse que ela fez parte da luta armada durante a ditadura militar, o que não é verdade, e que ela mente sobre o fato de ter sido torturada. "Ela estava indo para a Guerrilha do Araguaia quando foi presa em Vitória. E depois conta um drama todo, mentiroso, que teria sido torturada, sofreu abuso etc. Mentira. Mentira."

Miriam integrava ações de comunicação durante a ditadura, o que incluía distribuição de panfletos, mas nunca fez parte da Guerrilha do Araguaia, tampouco pegou em armas. Acabou presa e foi torturada mesmo grávida, de forma covarde, no 38º Batalhão de Infantaria do Exército, no Espírito Santo. Acabou absolvida das acusações em julgamento ainda durante a ditadura, em 1973. Ela tem sido, há tempos, um dos principais alvos dos ataques de Bolsonaro no jornalismo.

Esses são apenas alguns exemplos que ocorreram desde que ele assumiu o governo. Essas declarações presidenciais têm o objetivo de fomentar um estado de apreensão constante, fundamental para que a base do bolsonarismo mantenha-se coesa e orientada a permanecer nas guerras cultural e política. Bolsonaro precisa estar constantemente criando inimigos para manter de pé esse apoio. Ataques a jornalistas não se resumem a enxurradas de ameaças e agressões on-line, mas invadem a vida privada dos profissionais, distorcendo fatos, expondo dados pessoais, ameaçando filhos e pais.

A perseguição é sempre mais violenta quando o alvo são jornalistas mulheres, quando o ataque também ganha cunho sexual. Vale lembrar que, quando deputado federal, Bolsonaro se notabilizou por declarações misóginas.

Como já disse aqui, o presidente não precisa gostar da cobertura de determinados jornais, revistas, sites, canais de rádio e de TV, do posicionamento de colunistas e blogueiros e discordar profundamente da pauta conduzida por um repórter. Mas precisa aprender a respeitá-los. Ou, pelo menos, fingir respeito o suficiente para garantir que a cobertura de seus atos públicos como presidente ocorra sem sobressaltos. O respeito aos jornalistas, sejam eles de veículos tradicionais ou alternativos, mídia grande ou pequena, liberal ou conservadora, segue sendo um dos pilares da democracia.

Sem uma imprensa livre, os poderes político e econômico estariam bem à vontade para fazer o que desejassem.

À vontade, por exemplo, para levar parentes e amigos a uma festa de casamento do próprio filho em um helicóptero das Forças Armadas – comprado com sacrifício dos impostos de pessoas e empresas para o uso coletivo e não o benefício individual de quem quer que seja. Ou à vontade para indicar Eduardo para o cargo de embaixador nos Estados Unidos e ainda afirmar em sua live semanal, no último dia 18: "Lógico, que é filho meu, pretendo beneficiar filho meu, sim. Pretendo, se puder, dar filé mignon". Ele acha que a indicação não configura nepotismo.

Neste sábado (27), Bolsonaro afirmou que viaja sempre com dois helicópteros e que não viu problemas em dar carona em um deles. "Eu fui a casamento do meu filho. A minha família ia comigo. Eu vou negar o helicóptero a ir para lá e mandar ir de carro? Não gastei nada do que já ia gastar". Ignora que não foi ele quem gastou, mas todos nós. E que a questão é de princípios da administração pública. 

Bolsonaro acredita que é perseguido. Mas o jornalismo que tanto xinga, deu o mesmo tratamento quando o caso envolveu a família do ex-presidente Lula. Em reportagem de capa de 6 de janeiro de 2005, Eduardo Scolese e Julia Dualibi, da Folha de S.Paulo, mostraram como o Palácio do Alvorada recebeu amigos de um dos filhos de Lula, Luís Claudio, então com 19 anos, com transporte feito por avião da Força Aérea Brasileira. Na época, houve grande repercussão desse uso bizarro do patrimônio público pela família de um político.

Só não lembra quem acha que a História começa e termina com sua própria ascensão ao poder. E acredita que a culpa de todos os males é dos mensageiros. Ou melhor, das mensageiras.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.