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Leonardo Sakamoto

Brasil terá que mostrar a investidores que defesa da Amazônia não é fachada

Leonardo Sakamoto

29/08/2019 16h38

Manifestantes protestam em defesa da Amazônia em frente à Embaixada do Brasil em Londres. Foto: Toby Melville/Reuters

"A crise fez com que pessoas físicas e jurídicas acendessem o alerta. O Brasil estava na luz verde, agora está na amarela." A avaliação de um profissional da área de investimentos sustentáveis mostra como a degradação internacional da imagem do país por conta da alta no desmatamento e no número de queimadas deve cobrar seu preço a longo prazo. Para especialistas e gestores de fundos ouvidos pelo blog, parte deles sob condição de anonimato, o país vai perder dinheiro por não ter conseguido impedir o aumento no desmatamento e nas queimadas na Amazônia, mas também pela retórica desastrosa do governo.

A explosão de protestos e críticas que estamos vendo em todo o mundo é vistosa, fundos já estão pressionando empresas e cadeias produtivas, mas boa parte dos gestores está de olho é no longo prazo. "Investidores que levam a sustentabilidade em conta demoram para entrar em um setor ou um país e não saem de uma outra para outra. Contudo, quando saem diante do aumento do risco, podem não voltar tão cedo", explica o profissional citado. A manutenção dos investimentos com "princípios" no Brasil vai depender de como o governo tratará a questão de agora em diante.

O Norges Bank Investment Management, pertencente ao Banco Central da Noruega, e portanto ao povo daquele país, administra um fundo de pensão com valor de mercado astronômico – mais de R$ 4,39 trilhões. Questionado pelo blog sobre os últimos acontecimentos na Amazônia, sua assessoria informou que não comenta questões políticas. Mas que a instituição tem o desmatamento como foco, há vários anos, e está seguindo o que chama de "situação séria em curso". Deixa claro que podem retirar seu dinheiro dos empreendimentos que não cumprirem com padrões ambientais.

"Em 2017, iniciamos o diálogo com empresas que compram e vendem produtos de soja e gado no Brasil. O objetivo é entender o que as empresas estão fazendo para gerenciar os riscos de desmatamento e promover padrões internacionalmente reconhecidos para o gerenciamento da cadeia produtiva. Neste diálogo, enfatizamos a necessidade de uma melhor rastreabilidade das commodities na cadeia e a importância de garantir que os fornecedores cumpram as políticas dos compradores. Desinvestimos de um produtor de soja nessa região devido a laços com a produção insustentável e o desmatamento."

O fundo afirmou que espera que as empresas tenham estratégias para reduzir o desmatamento de suas próprias atividades e cadeias produtivas, monitorem se os fornecedores que entregam commodities ligadas à floresta adotam as melhores práticas para evitar o desmatamento e aderem aos padrões e sistemas internacionais de certificação para o manejo sustentável das florestas e divulgam como monitoram seu impacto nas florestas tropicais ao longo do tempo.

O comportamento do Norges Bank é semelhante ao de outros gestores na Europa e Estados Unidos com os quais o blog conversou. Eles estão acompanhando as medidas que o governo brasileiro está anunciando para mitigar impactos para decidir como agir.

Um analista de um dos fundos europeus que investe em negócios sustentáveis no Brasil relatou ao blog que está profundamente triste com a situação da destruição da floresta brasileira neste momento. Mas que sua instituição prefere não se envolver no ciclo de notícias sobre o assunto e, portanto, não discutem o tema publicamente.

A agência Bloomberg informou que grandes investidores da Noruega estão demandando que empresas garantam que não estão contribuindo para danos ambientais na Amazônia. A Storebrand Asset Management e o fundo de pensão KLP mapeiam possíveis responsáveis com o objetivo de deixar empresas que contribuem para o desmatamento. O que inclui pressão sobre traders de soja que operam no Brasil.

Per Bolund, ministro das Finanças da Suécia, afirmou à imprensa que o governo daquele país está investigando se os fundos de pensão públicos investem em empresas e empreendimentos que contribuem com o desmatamento e incêndios na Amazônia. A análise envolve empresas nas cadeias de valor e não apenas aos responsáveis diretos pelos danos ambientais.

"Derrubaram floresta quando o governo mandou a fiscalização calar a boca e agora é a hora de queimar para consolidar o avanço. Investidor que não está brincando entende essa sequência. Por mais que, na mídia, tudo pode passar como uma crise passageira, isso é entendido como a consequência previsível de políticas que foram adotadas pelo governo", afirma um especialista em fundos sustentáveis.

Nesta terça (27), o presidente do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil enviou carta ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, alertando que receberam "com muita preocupação o comunicado de suspensão de compras de couros de alguns dos principais importadores mundiais" – o que se deu "em função de notícias relacionando queimadas na região amazônica ao agronegócio do país". As vendas para o mercado externo representam 2 bilhões de dólares por ano, segundo o documento.

O governo brasileiro tornou-se alvo de protestos da sociedade civil e pressões de governos estrangeiros não apenas pelos saltos no desmatamento e no número de queimadas na Amazônia, mas também por conta da forma como vem lidando com o tema. O presidente Bolsonaro tem desautorizado a fiscalização do Ibama e do ICMBio, o que passou uma mensagem de permissividade a madeireiros, grileiros, pecuaristas e garimpeiros. Ao mesmo tempo, teve embates com instituições que atuam no monitoramento da degradação da floresta, como o INPE. E defendeu a mineração de territórios indígenas por empresas brasileiras e estrangeiras.

Imagens de destruição da floresta estamparam capas de jornais e escaladas de telejornais de todo o mundo, mantendo-se como tendência nas redes sociais. A despeito da discussão sobre a manutenção ou não de países em acordos comerciais, como o que envolve o Mercosul e a União Europeia, o desinvestimento de fundos que seguem princípios socioambientais é rápido e não precisa de muita justificativa.

Para um gestor de fundo, quando tudo desaparecer da mídia e o clima seco der lugar às chuvas, o dinheiro grosso vai continuar se preocupando e esperando ações de Brasília de olho no ano que vem. Não querem ficar em posições que podem estar agindo ilegalmente e, com isso, perder dinheiro e credibilidade de seus clientes.

"Uma mensagem importante a ser enviada pelo governo seria de que as medidas que está tomando não são de fachada. Caso contrário vão resolver muito pouco do ponto de vista do investidor", afirma um dos especialistas ouvidos pelo blog.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.