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Leonardo Sakamoto

Desemprego em 12,6 mi e Guedes acha tempo para achincalhar esposa de Macron

Leonardo Sakamoto

06/09/2019 04h06

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

"O Macron falou que estão colocando fogo na Amazônia. O presidente devolveu, falou que a mulher do Macron é feia. O presidente falou a verdade, ela é feia mesmo. Mas não existe mulher feia, existe mulher observada do ângulo errado. E fica essa xingação", disse o ministro Paulo Guedes, no evento "A Nova Economia do Brasil", nesta quinta (5), em Fortaleza.

Diante da esperada repercussão negativa, o czar da Economia pediu desculpas, dizendo que estava ilustrando um argumento e o objetivo não era fazer ofensas pessoais. O que não importa, pois efetivamente as fez.

Temos um presidente da República que, devido à falta de familiaridade com o debate público respeitoso ou de capacidade de apresentar argumentos para contrapor outros argumentos, apela recorrentemente para o ad hominem – a falácia de negar uma ideia criticando seu autor e não o seu conteúdo.

Por exemplo, o governo brasileiro é acusado pelo presidente francês de ser responsável pelo desmatamento e pelas queimadas? Chama-se a mulher do presidente francês de feia. O governo brasileiro é acusado pela alta comissária para os Direitos Humanos da ONU de redução do espaço democrático? Ataca-se o pai de Michele Bachelet que foi executado pela ditadura chilena.

Agora, o ministro da Economia endossa as palavras do chefe. Poderia estar apresentando sua proposta de política nacional para fomentar a geração de empregos com carteira assinada – afinal, faz mais de oito meses que assumiu o posto. De preferência, um projeto consistente, que inclua estímulos para o consumo e investimentos públicos. Mas preferiu estampar as manchetes por um comentário bizarro.

Guedes herdou uma crise econômica, então não é o responsável por ela. Mas à medida que o tempo passa, o governo vai se tornando sócio dela. Bolsonaro tem no combate ao desemprego a sua pior avaliação entre 18 áreas, de acordo com pesquisa Datafolha, divulgada nesta segunda (2). Após oito meses, 65% da população considera a atuação de seu governo como ruim ou péssima nesse quesito.

Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua, divulgada pelo IBGE, na última sexta (30), a taxa de desocupação caiu de 12,5% (no trimestre encerrado em abril) para 11,8% (no encerrado em julho). São 12,6 milhões de brasileiros procurando trabalho sem encontrar. A informalidade bateu recorde na série histórica. A taxa de desocupação vem caindo através do aumento de postos sem carteira assinada (mais 441 mil frente ao trimestre anterior) e dos trabalhadores por conta própria (mais 343 mil). Vagas sem 13o salário, férias, descanso semanal remunerado, limite de jornada. Ou seja, sem direitos.

O país necessita de mais medidas do que as Reformas da Previdência e Tributária para combater o desemprego no curto prazo. O ministro certamente sabe que copiar os rompantes desagradáveis e machistas do seu chefe não é uma delas.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.