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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro enfraquece combate à corrupção, mas fãs ainda defendem o "mito"

Leonardo Sakamoto

16/09/2019 03h04

Foto: Rodolfo Buhrer/Foto Arena/Estadão Conteúdo

Bolsonaro está, aos poucos, comendo as instituições de fiscalização e controle da República em nome de seu projeto de poder e do bem-estar de sua família. Uma parte de seus apoiadores já demonstra incômodo pela desenvoltura com a qual interfere na Receita Federal, no Coaf, no Ministério Público Federal, na Polícia Federal – o que se traduz em queda de aprovação e ranger de dentes em redes sociais. Mas um naco continua botando fé, incondicionalmente e inacreditavelmente, que essas ações do "mito" visam a combater a corrupção e a proteger a Lava Jato.

Esse mesmo naco reclama do fanatismo (real) de uma parte dos petistas quando o assunto é Lula, mas são incapazes de interpretar o mundo sem o gabarito dado por seu líder. Se o presidente disser que uma laranja é, na verdade, um abacate, eles prontamente vão para a rua, com faixas, bandeiras e camisas da CBF, dizer que sua guacamole jamais será vermelha.

A demissão do secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, foi apenas o último lance de uma cadeia de eventos que perfazem um padrão. Oficialmente, ele caiu pela CPMF. Mas se essa fosse a única questão, o ministro da Economia teria dançado junto. O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que criou dores de cabeça para o filho 01, o senador Flávio, foi transferido do Ministério da Economia para o Banco Central. Quem acompanha o Coaf tem dúvidas se o corpo técnico no Bacen, por mais qualificado que seja, é adequado para a tarefa.

A interferência na indicação de um novo procurador-geral da República, escolhendo alguém de fora da lista tríplice e crítico à operação Lava Jato, abespinhou a relação entre Poder Executivo e Ministério Público Federal. Bolsonaro também está tentando colocar uma pessoa próxima a ele para chefiar a Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro e deve mudar o delegado-geral da instituição. A carta branca prometida pelo presidente a Sérgio Moro serve apenas para dizer "sim, chefe".

Isso sem contar que Flávio Bolsonaro foi beneficiado pela decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, de suspender a investigação que o envolvia. E, agora, atua contra a investigação de membros do Judiciário pelo Congresso Nacional.

Bolsonaro esta limpando o terreno. Como disse o filósofo e professor Paulo Arantes a este blog, "sacrificar o lavajatismo pode ser uma estratégia suicida ou pode ser um lance de audácia. Ele é boçal, primitivo, tudo o que nos choca. Mas de idiota ele não tem absolutamente nada". A estratégia pode dar errada e ele cair do cavalo. Mas, enquanto isso, ele segue.

O bolsonarismo, como o bolivarianismo de Nicolás Maduro, trabalha com a ideia de revolução popular – claro, com o sinal ideológico trocado. Lá como cá, as instituições democráticas tradicionais sofrem um ataque progressivo, seja pelo uso abusivo da máquina, seja por meio do esvaziamento – tudo para que o Estado sirva ao governante, em uma inversão da ordem democrática das coisas.

Convencidos de que a imprensa quer enganá-los o tempo todo, os seguidores mais fanáticos de Bolsonaro consideram uma notícia é verdadeira se for validada pelo bolsonarismo e, falsa, se criticada por ele. Quem diz que isso é uma forma simplista de ver o mundo, é tachado de comunista.

É de uma ironia fina que os bolsonaristas que bradam pelo fim da corrupção apoiam exatamente a pessoa responsável por limitar as instituições de combate à corrupção. Sim, seguidores de Bolsonaro, que criticam práticas fisiológicas da política, respaldam um político que, com suas ações, está garantindo que o fisiologismo continue alegre e saltitante.

Em manifestações, bolsonaristas e lavajatistas enchem infláveis de Sérgio Moro vestido de super-herói e denunciam que ele está sendo alvo de ataques, pedindo que Bolsonaro o proteja. Mas, paradoxalmente, um dos maiores ataques vem do próprio chefe – que quer cortar as asas do subordinado antes que ele resolva voar por conta própria. É passa-moleque atrás de passa-moleque. Nem as contundentes revelações da Vaza Jato têm sido tão devastadoras para a imagem do ministro quanto o presidente nas últimas semanas.

Poderíamos dizer que, no dia em que ficha cair para esse fãs, será tarde demais. Mas quem disse que a ficha vai cair um dia?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.