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Leonardo Sakamoto

Combate à mudança climática pode gerar muitos empregos, diz pesquisadora

Leonardo Sakamoto

25/09/2019 05h11

Plataforma Deepwater Horizon explodiu em 2010, matando dez pessoas e causando o maior derramamento de petróleo dos EUA no mar. Foto: Gerald Herbert/AP

"Não vamos fazer o Green New Deal acontecer se não nos livramos de Trump. E também não vejo isso acontecendo, no Brasil, enquanto Bolsonaro estiver no poder."

Alyssa Battistoni, cientista política e pesquisadora da Universidade de Harvard, faz parte de um grupo crescente de acadêmicos, ativistas, políticos e cidadãos que defende um cavalo de pau no modelo de desenvolvimento dos Estados Unidos, fazendo com que o governo reoriente a economia do país em direção ao carbono zero. A proposta, que responde pelo nome de Green New Deal, quer que os EUA interrompam a produção de gases que levam ao aquecimento global e às mudanças climáticas, em dez anos, e passem a usar apenas fontes de energia limpa e renovável, além de transporte, indústria e agropecuária sem emissões. O pacote deseja converter milhões de empregos "convencionais" em "verdes".

Especialista em políticas climáticas, especialmente no papel do Estado e sua interação com a economia, Battistoni tem participado das discussões sobre a implementação da proposta nos fóruns políticos nos EUA. Graduada pela Universidade de Stanford, com mestrado pela Universidade de Oxford e doutorado pela Universidade de Yale, Battistoni atua também na interseção entre política ambiental, economia política e pensamento feminista.

Ela esteve em São Paulo para participar do festival organizado pelo coletivo feminista #AgoraÉQueSãoElas. Deu uma entrevista ao blog, na véspera da cúpula da ONU contra mudanças climáticas, tratando do Green New Deal.

Apresentado em fevereiro de 2019 pela deputada Alexandria Ocasio-Cortez e o senador Ed Markey, ambos do Partido Democrata, nos Estados Unidos, tem o nome inspirado no New Deal – o pacote de reformas na indústria norte-americana adotado para tirar o país da Grande Depressão, no pós-crise de 1929. Parte do pressuposto que o Estado deve fazer pesados investimentos para fazer frente às mudanças climáticas (o país é o segundo maior emissor global de gases de efeito estuda, ficando atrás apenas da China) e, com isso, gerar empregos decentes e combater a desigualdade social.

"As pessoas não veem o combate às mudanças climáticas como algo que afeta suas vidas diárias", afirma Battistoni. "O Green New Deal está propondo um grande investimento do governo na construção e implantação de tecnologia verde, criando uma economia mais verde, o que vai disponibilizar empregos verdes. Pessoas comparam essa mobilização àquela da Segunda Guerra Mundial, porque é quando o governo federal entrou e disse às fábricas não fabricarem carros, mas tanques. Ao invés disso, estamos dizendo para não priorizarem a fabricação de carros, mas de ônibus elétricos. Com isso, haverá sim empregos, mas empregos que não destruam o clima."

Para ela, há um componente geracional na mobilização que vai influenciar nas eleições presidenciais do ano que vem. "Os eleitores das gerações mais jovens realmente vão pedir e pressionar para um programa climático forte". Até porque, para um projeto que altera radicalmente a economia e a política, será necessário uma mobilização maior, mais engajada e com mais energia. Como aquela que foi vista na última sexta (20), na Greve Geral pelo Clima, protagonizada por jovens de todo o planeta – inclusive dos Estados Unidos.

Leia trechos da entrevista dada ao blog: 

Quais as chance do Green New Deal vir a ser aprovado nos Estados Unidos?

O Green New Deal é mais do que um projeto legislativo. Ele nomeia todo um novo conjunto de programas sobre o clima, o que inclui o esforço de governo para transformar a sociedade e a economia da maneira que a ciência do clima diz que precisamos fazer. Será que vai passar agora, com Donald Trump, na Casa Branca e republicanos no controle? Não. Mas ter o Green New Deal como parte de um programa para mobilizar apoio popular contra as mudanças climáticas é realmente crucial. As pessoas não veem o combate às mudanças climáticas como algo que afeta suas vidas diárias. Isso precisa estar conectado a questões sociais reais em que as pessoas possam dizer: "sim, eu gostaria de ter um 'emprego verde', transporte público gratuito para reduzir emissões de carros, moradia acessível com baixo teor de carbono no meu bairro" – todos esses tipos de coisas que fazem parte do que previmos ser o Green New Deal.

Como então envolver as pessoas nessa discussão quando Trump diz que o programa irá roubar empregos dos trabalhadores?

O Green New Deal, quando implementado, vai criar empregos verdes com investimento do governo na construção de tecnologia verde.  Obviamente, as pessoas precisam de meios de subsistência, então você não pode esperar que as desistam de seus empregos, sacrificando-se para salvar o planeta. Não adianta garantir treinamento profissional e dizer que as pessoas aprenderão a construir ou instalar painéis solares e depois afirmar que elas podem ir atrás de um emprego em alguma empresa. Isso realmente não funciona. Como a implantação de empresas não é muito significativa e é muito difícil para as pessoas encontrarem esses empregos, o que o Green New Deal está propondo é fazer um grande investimento do governo na construção e implantação de tecnologia verde, criando uma economia mais verde, o que vai disponibilizar empregos verdes. Pessoas comparam essa mobilização àquela da Segunda Guerra Mundial, porque é quando o governo federal entrou e disse às fábricas não fabricarem carros, mas tanques. Ao invés disso, estamos dizendo para não priorizarem a fabricação de carros, mas de ônibus elétricos. Com isso, haverá sim empregos, mas empregos que não destruam o clima.

No Brasil, tivemos um presidente da República que dirigiu um sindicato da indústria automotiva. Mesmo os partidos progressistas que chegaram ao poder implementaram um modelo de desenvolvimento que não era sustentável. Como lidar com esse contexto?

Não quero dizer como as pessoas no Brasil devem pensar. Mas posso dizer que esse também foi um dos grandes problemas nos Estados Unidos. O grande desenvolvimento industrial na América do Norte foi baseado na indústria automobilística, na indústria pesada. Acho que somos muito nostálgicos pelo período do pós-guerra, em que tudo estava bem, todo mundo era próspero e tínhamos empregos reais em fábricas, fazendo coisas. Mas você não pode ter uma economia apenas produzindo mais coisas e vendendo tudo um para o outro para sempre, carros, aço, o que for.  Porque, em algum momento, iremos esgotar a capacidade do planeta. Crescemos por muito tempo não apenas com nossos próprios recursos, mas consumindo recursos de todo o mundo, buscando ser o número um. Crescer mais rápido que todos, construir mais que todos. Precisamos descobrir outra maneira de garantir um padrão de vida decente para as pessoas. Os EUA precisam descobrir como desacelerar e conviver com um crescimento mais lento, nós simplesmente não podemos continuar assim. Não existe apenas um caminho para evoluir para um padrão de vida decente – e para todos. Ainda somos um país muito rico, mas tão desigual que a classe trabalhadora está morrendo dez a 15 anos antes que os demais. É uma questão de sobrevivência descobrirmos novos modelos de desenvolvimento.   

Alyssa Battistoni, pesquisadora da Universidade de Harvard. Foto: Divulgação

O tema das mudanças climáticas estará no centro da agenda nas eleições presidenciais do ano que vem nos EUA?

Acho que pode ser este ano já. No passado, as pessoas não falavam muito sobre o clima. Agora, já estamos vendo planos climáticos muito mais sérios, detalhados, agressivos de candidatos democratas nas primárias. Planos para colocar muito mais dinheiro da União nessa área, muitos deles endossando o Green New Deal. Eles têm ideias diferentes, mas estão falando muito seriamente sobre as mudanças climáticas. Nos debates entre Hillary Clinton e Donald Trump, nas eleições passadas, essa questão nem era mencionada nos debates presidenciais. O tema era um "perdedor político", coisa que ninguém se importa. Ou pior, um debate que discute coisas ruins: mudanças climáticas significa menos empregos, menos hambúrgueres, e ninguém quer falar disso.

A ideia do Green New Deal é apresentar uma proposta diferente de ação climática, conectada a um programa social. Bernie Sanders [senador nos EUA e pré-candidato à Presidência da República] está dizendo: "Meu inimigo não é um mineiro de carvão, meu inimigo são as empresas fósseis. Criaremos 20 milhões de empregos verdes e, se você se juntar, conseguirá um emprego verde, garantiremos a transição até a economia verde".

Há uma preocupação crescente entre os representantes democratas em geral, mas, obviamente, também há um componente geracional. Os eleitores das gerações mais jovens realmente vão pedir e pressionar para um programa climático forte. E houve muitos protestos disruptivos em torno disso, nos últimos anos, então o clima será muito mais central para as eleições.

O pessoal do Trump tentará dizer: "você sabe, eles estão vindo para tirar seus empregos" por causa do combate às mudanças climáticas e todas as coisas que ouvimos contra os programas ambientais do passado. A Fox News [rede de TV conservadora dos EUA] tem falado muito mais sobre o Green New Deal do que os canais liberais correspondentes, como MSNBC. E, claro, falando mal.  

Criando um fantasma?

Sim, eles estão tentando fazer com que as pessoas se oponham ao programa antes mesmo de saberem o que é. Será um verdadeiro desafio, porque Trump e outros republicanos dirão que isso não presta. As coisas são mais complicadas do que o estereótipo, contudo. Pesquisas mostram, por exemplo, que os trabalhadores sindicalizados têm mais probabilidade de apoiar o Green New Deal do que os eleitores comuns.  

Como pesquisadora de linha marxista, você acredita que é possível melhorar o capitalismo? Porque o Green New Deal é isso, não?  

Ótima pergunta. Não creio que o capitalismo seja compatível com o futuro ecologicamente sustentável, como um planeta habitável a longo prazo. No entanto, precisamos descobrir maneiras de reduzir as emissões de carbono no curto prazo. Não vejo uma revolução chegando nos Estados Unidos e, além disso, é necessário pensar em outro modelo de socialismo. O que vejo é o Green New Deal como uma maneira de garantir mais poder aos trabalhadores, para que possam obter melhorias em temas relacionados à moradia, saúde, educação e coisas assim. Eles fazem parte de uma transição para, o que imagino, um mundo mais ecologicamente sustentável. Creio que quando um trabalhador conquista vitórias, sente que pode conseguir mais e isso pode mobilizar as pessoas a mudar as coisas.

Você atua em três áreas – trabalho, ambientalismo e feminismo – que hoje estão no centro dos debates da esfera pública. A questão da exploração do trabalho é um elemento unificador dessas dinâmicas?

Uma das coisas que têm sido interessante, pelo menos para o movimento feminista nos Estados Unidos, é que onde os sindicatos estão crescendo, os empregos aumentando e a sindicalização acontecendo, os processos estão dominados por mulheres. Isso é um lugar muito importante para o movimento feminista, onde o feminismo está acontecendo de uma maneira muito importante. As mulheres estão se organizando contra a própria exploração do trabalho, para ter mais poder econômico. Isso não resolve todos os problemas do patriarcado, mas é importante para que o trabalho delas seja valorizado. E isso também pode conectar a questão ambiental se pudermos substituir os empregos tradicionais por empregos verdes. Há pessoas que são céticas em relação à ação contra as mudanças climáticas, pois isso não seria uma preocupação imediata para a sobrevivência diária. Por isso, garantir trabalho e meios de subsistência sustentáveis às pessoas é uma direção importante para o movimento ambientalista adotar. Afinal, essas pessoas precisam de uma forma de se manter sem precisar confiar nas indústrias que estão destruindo o planeta.

Nas últimas semanas, o Brasil ocupou negativamente espaço na mídia internacional por conta do aumento nas queimadas na Amazônia e da reação do presidente Jair Bolsonaro às críticas que recebeu por causa disso? Como você relaciona a situação do Brasil ao que está acontecendo nos Estados Unidos?

Parece que existem muitas semelhanças. Não vamos fazer o Green New Deal acontecer se não nos livramos de Trump. E também não vejo isso acontecendo, no Brasil, enquanto Bolsonaro estiver no poder. O que estamos tentando fazer é descobrir como usar o programa não tanto como uma ferramenta de organização, mas como uma promessa em nome da qual as pessoas possam querer. Então, é sobre como conectar a ação climática com outros tipos de programas que são muito populares. 

Já existe mobilização que atua contra mudanças climáticas, por exemplo, mesmo que esse não seja o objetivo principal. Pessoas se organizando em torno de moradias próximos aos centros nas cidades, por exemplo, tentando viver em uma cidade urbana densa, fazendo menos deslocamentos. Fazer menos viagens no cotidiano é uma maneira de ter uma vida com baixo impacto de carbono. Não é que essas pessoas estejam se organizando para reduzir as emissões de carbono, mas elas precisam morar em algum lugar que é mais próximo do trabalho. Isso é semelhante aos protestos em torno das tarifas de ônibus, há alguns anos, para ter transporte público barato ou mesmo gratuito. Isso é uma demanda climática, mesmo que as pessoas que a solicitem o vejam como uma maneira de conseguir se locomover pela cidade – o que também é uma boa demanda por si só.

Devemos pensar em como conectar programas climáticos com o tipo de coisa que as pessoas já estão fazendo e dizer: "veja, há uma necessidade 'verde' de morar". Então, vamos construir moradias para que as pessoas possam se dar ao luxo de morar nas regiões centrais das cidades novamente e não pegar um ônibus e percorrer um longo caminho vinda da periferia da cidade, percorrendo um longo caminho e emitindo carbono para trabalhar, ir a um filme ou qualquer outra coisa.

Uma cidade mais coletiva é uma cidade que combate as mudanças climáticas?

Há muitos urbanistas que dizem: "as cidades são densas e, portanto, são verdes", mas não são verdes se forem apenas pessoas ricas que morarem lá, pilotando seus jatos particulares pelo país e pelo mundo. Na verdade, precisamos que as cidades sejam lugares onde as pessoas possam viver – e viver com serviços públicos. Serviços públicos são, na verdade, programas de ação contra mudanças climáticas. Construir parques, por exemplo, são bons para reduzir a poluição e filtrar o ar. Há muitas possibilidades de fazer isso aqui basta identificar os tipos de lutas que já estão acontecendo.

Diante de tantos entraves para avançar a pauta, como lidar com a sensação de inevitabilidade que ainda cerca a expansão da economia baseada em carbono?

A indústria de combustíveis fósseis é incrivelmente rica e poderosa. Todo o resto depende, hoje, de combustíveis fósseis – e combustíveis fósseis baratos. Mudar tudo isso é incrivelmente pesado. Há momentos em que me sinto realmente perturbada com isso, para ser honesta. Quando comecei a refletir sobre mudanças climáticas, fiquei deprimida, pensei "acabou tudo". Mas, em algum momento, você se acostuma com isso e supera. É ruim, mas sempre pode piorar – e isso se tornou meu mantra com relação a mudanças climáticas. Em alguns momentos, penso que vou fazer apenas a minha parte para tentar manter o planeta habitável por mais ou menos 100 anos, quando pode haver uma geração de pessoas que resolva o problema. Mas o que realmente importa é o que fazemos agora, porque mesmo que não desmantelemos a coisa toda, podemos reduzir significativamente as emissões e isso faz a diferença.

Seria muito interessante ver o que acontece se as empresas de combustíveis fósseis começarem a perder o valor, seriam tempos muito interessantes. Uma coisa que me dá esperança é que estamos em um momento muito volátil politicamente, um momento de transição. Um momento, em que muitas coisas ruins e imprevisíveis estão acontecendo, mas, novamente, há muitas possibilidades. Então vamos alimentar as possibilidades enquanto pudermos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.