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Leonardo Sakamoto

Um Bolsonaro na ONU avisa: Brasil, ame-o ou deixe-o

Leonardo Sakamoto

25/09/2019 23h28

Foto: Luis Moura/Estadão

Criticou o presidente na ONU? Só pode ser de esquerda.

De esquerda? É comunista.
Comunista? É do PT.
Do PT? É bandido.
Bandido? Bora linchar!
Foi linchado? Era vagabundo.
Vagabundo? Ora, sem-teto!
Sem-teto? Igual sem-terra.
Sem-terra? É preguiçoso.
Preguiçoso? Um maconheiro.
Usa maconha? Fuma crack.
Fuma crack? Merece morrer.
Quem merece morrer? "Mendigos"
E os "mendigos"? Não trabalham.
Não trabalha? Coisa de índio.
Se é índio? Fique na floresta.
E a floresta? Bora desmatar.
Desmatamento? Sinal de progresso.
E o progresso?

Progresso é um corpo inerte de uma menina negra, de oito anos, atingida pelas costas, por uma bala de fuzil, por conta de uma política de segurança criada para garantir a tranquilidade dos "homens de bem".

"Homem de bem"? Tem "mulher honesta"
"Mulher honesta"? Não anda sozinha.
Sozinha na balada? Pode passar a mão.
Ficou brava? Feminazi.
Feministas? São contra a família.
Fim da família? É a "ideologia de gênero"!
"Ideologia de gênero"? Ensinar a ser gay.
Gays? Abominações para Deus.
Não crê em "nosso" Deus? É do mal.

E o mal – conforme disse o líder da igreja na TV – precisa ser limpo, varrido e banido para o bem da sociedade. 

O que é sociedade? Somos nós.
Se está contra nós? Não é patriota.
Não é patriota? É um inimigo do país.
Não ama o país? Então, deixe-o.

Esta quadrilha é uma atualização de um post anterior. Achei que era apropriado, uma vez que a reação dos fãs do presidente às críticas a seu discurso na ONU, não raro, são baseadas em um binarismo atroz. A ponto de passar pano para o discurso paranoico e ideologizado de Bolsonaro usando as famosas declarações da então presidente Dilma Rousseff sobre estocar vento ou saudar a mandioca. Como se uma coisa estranha justificasse outra coisa estranha.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.