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Leonardo Sakamoto

Combate de Bolsonaro ao desmatamento na Amazônia foi para inglês ver

Leonardo Sakamoto

11/10/2019 20h13

Fumaça de incêndio em uma área da floresta amazônica perto de Porto Velho em agosto. Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Dizer que a operação das Forças Armadas contra incêndios na Amazônia foi para inglês ver seria bondoso com o governo. Na prática, serviu como cortina de fumaça para que a administração Jair Bolsonaro continuasse chancelando a destruição da floreste ao não enfrentar devidamente a ação de garimpeiros, grileiros, madeireiros e pecuaristas. Pelo contrário, o presidente e seus apoiadores continuam passando pano para pessoas e empresários que atuam de forma criminosa, criticando a destruição de maquinário por parte de fiscais, por exemplo.

O Brasil continua sem um plano de combate ao desmatamento. Portanto, qualquer ação decorrente de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que envie militares para a proteção do meio ambiente, desconectada de um processo estrutural será queimar dinheiro público.

Queimada é apenas a última etapa de um processo que começa com o desmatamento – que seguiu seu curso tranquilamente. A área de alertas de desmatamento na região aumentou 95,8% em setembro com relação ao mesmo mês em 2018. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), foram 1447 quilômetros quadrados perdidos de floresta no mês passado (para efeito de comparação, o município de São Paulo tem 1 521 km²) frente a 739 km² do ano anterior.

De acordo com o Observatório do Clima, este é o terceiro mês consecutivo em que a área de alertas de desmatamento detectada por satélite é maior do que em qualquer outro mês de qualquer outro ano desde que a nova versão do Deter (Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real) foi colocada em operação, em 2015.

O desmatamento mensal nunca havia ultrapassado 1.025 km², variando nos meses de estação seca entre 200 km² e 1.000 km². Desde junho deste ano, passou a variar entre 1.000 km² e 2.500 km². Os números de julho, agosto e setembro são, respectivamente, 149%, 66% e 41% maiores do que o pior mês da série do Deter desde 2015. Em outubro, começa a estação chuvosa e o desmatamento, consequentemente, cai. Não à toa, o governo vai dispensar o efetivo mobilizado.

Com o Exército na mata desde o final de agosto, seria de se esperar que a taxa de desmatamento sofresse uma inflexão com relação ao ano passado. Mas a perda de cobertura florestal em setembro, apesar de ser menor do que a de agosto, foi explosiva em relação a setembro de 2018.

Desde 2004, o Deter produz alertas diários de alteração na cobertura vegetal de áreas maiores que três hectares – que são enviados automaticamente ao Ibama. Os dados ficam disponíveis no site da instituição para toda a sociedade e, mensalmente, é divulgado um boletim com a situação do mês anterior. O Prodes realiza, desde 1988, um inventário de perda de floresta e é feito anualmente considerando áreas de desmatamento superiores a 6,25 hectares.

Discurso medieval do governo

Sob Bolsonaro, o Brasil adotou uma perspectiva medieval e negacionista quanto ao meio ambiente e o clima. E quando o problema começou a ser notado, na forma de nuvens de fumaça em fotos de satélite, o governo fugiu da responsabilização, tentando culpar sociedade civil, governadores da região Norte, o tempo seco, a crise econômica.

Muitas vezes, o país já evitou as ameaças de barreiras comerciais por conta de danos ambientais ou crimes contra os direitos humanos, mostrando que estava implementando uma política firme e que havia transparência de informação para que o mercado gerenciasse seu risco. Mas desde que a crise aberta com o salto no desmatamento na Amazônia começou, Bolsonaro preferiu culpar o mensageiro (INPE).

Bolsonaro pode falar grosso com outros mandatários que têm alertado para um retrocesso galopante na política ambiental do Brasil. Pode se lambuzar na piscina do conspiracionismo e da paranoia, onde seus seguidores mais fiéis se sentem bem. Mas, ao final do dia, a questão que precisa ser respondida por ele é se o governo está mesmo disposto a combater as ameaças reais que colocam em risco nosso planeta, mudando seu comportamento quanto ao meio ambiente, ou zombará delas enquanto queima dinheiro de exportações de carne, soja, entre outros, que ficarão bloqueadas em portos pelo mundo, acusadas de crimes ambientais e sociais.

Os resultados do Deter/INPE sobre setembro fazem com que a declaração de Bolsonaro, na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 24 de setembro, de que o seu "governo tem compromisso solene com o meio ambiente", seja vista como piada de mau gosto. Em Nova York, ele não citou a responsabilidade de pecuaristas, madeireiros, grileiros e garimpeiros nas queimadas, nem disse nem como pretende conter a devastação da floresta, pelo contrário, negou que isso estivesse acontecendo. Preferiu falar de populações indígenas e pequenos produtores rurais como responsáveis por iniciar incêndios. Creditou a "ataques sensacionalistas da mídia" a repercussão negativa global e afirmou que o debate sobre a Amazônia despertou "nosso sentimento patriótico". Bobagem atrás de bobagem para mobilizar o naco mais radical de seus seguidores e fãs dentro do país.

As tropas enviadas serviram para tentar acalmar governos estrangeiros e compradores e investidores da iniciativa privada, que já despontam com bloqueios a empreendimentos e regiões envolvidos com queimadas e desmatamento ilegal. Agora, com as chuvas, o presidente empurra as críticas com a barriga, torcendo para que as águas lavem as lembranças de uma Amazônia em chamas. Pelo menos até o ano que vem, quando começa tudo novamente.

Melhor faria se o governo apoiasse a fiscalização ambiental e garantisse punição aos infratores, atuando também na prevenção e na responsabilização de cadeias de valor. O problema é que, se fizer isso, baterá de frente com ala anacrônica dos ruralistas, um dos pilares de sustentação de seu governo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.