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Leonardo Sakamoto

Moro fala de "porrete" em preso após força-tarefa ser acusada de tortura

Leonardo Sakamoto

12/10/2019 05h41

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, afirmou, nesta sexta (11),  que os presos devem escolher entre fazer parte de facções criminosas ou obterem benefícios para progressão de pena. "É a história do porrete e a cenoura. Nós temos que oferecer ao preso uma opção."

A palavra "porrete" ganha contornos especiais ao sair da boca do ex-juiz federal responsável pela Lava Jato, uma vez que o Ministério Público Federal no Pará pediu o afastamento do coordenador da força-tarefa enviada pelo próprio Moro para controlar os presídios. A razão? Tortura de detentos – empalamentos, perfuração de pés com pregos, espancamentos, uso constante de balas de borracha e spray de pimenta. Presos vivendo em meio a fezes, presas obrigadas a sentar em formigueiro. Ou seja, porrete.

Não raro, a pessoa entra para uma facção criminosa não por opção, mas por falta dela. Para se proteger dentro de um sistema prisional que não reinsere presos na sociedade, apenas espanca, degrada e mata, fazendo com que a pessoa sinta ódio de quem está do lado de fora. Moro devia estar discutindo formas de retomar o controle do sistema prisional através da garantia de que esses locais cumpram a função para a qual foram criados. Prefere discutir maneiras de aprofundar punições.

Se os chamados "super ministros" do governo Bolsonaro, Sérgio Moro e Paulo Guedes, dessem menos palestras a públicos simpáticos a eles para gerar imagens de aplausos visando aos telejornais e às redes sociais – como foi no caso desta sexta (11), onde surgiram as declarações sobre presídios – e passassem a dedicar mais tempo para o desenvolvimento de projetos estruturados em suas áreas, talvez o país tivesse uma chance melhor. Mas trabalhar dá trabalho.

As diferentes esferas de governo são incapazes de implantar uma política de reintegração da população encarcerada, acelerar a análise dos casos do um terço de presos provisórios (que não foram condenados), repensar a política de combate às drogas (só em um delírio muito louco é possível imaginar que um pequeno vendedor de psicoativos merece cumprir pena em regime fechado) ou mesmo reescrever as punições a determinados crimes que não envolvem atentados contra a vida, forjadas com base na crença de que retirar a pessoa do convívio social é a solução para tudo.

No afã de se justificar e tentar permanecer imune a essa crise, o governo federal tem dado declarações vazias que em nada contribuem com a solução. E nem melhoram a sua própria imagem. É claro que o problema não começou com os atuais governos e não serão eles sozinhos que vão resolvê-lo.

Assumir a verdade – a falência do sistema – pode causar (mais) pânico à população, que está com medo – e com razão. Afinal, se a bomba explodir para fora dos presídios e das comunidades pobres, como é hoje, não haverá muro alto e cerca eletrificada que ajudarão com a (falsa) sensação da segurança. Já passou da hora de parar de enganar o povo com promessas de construção de presídios, contratação de policiais e adoção de um comportamento linha dura contra o preso, como se isso resolvesse algo. Nunca a construção de vagas prisionais será páreo para a quantidade de pessoas que mandamos para a cadeia anualmente. 

Ajudamos a desconectar os presídios do restante do tecido social, tornando-os uma espécie de limbo para onde vai quem atentou contra a sociedade. E o que acontece no limbo, fica no limbo. Afinal de contas, foram eles que pediram isso, não? O problema é que não fica. E o ódio gestado em muitos dos presos durante esse processo bisonho de "ressocialização", por tudo o que viram e viveram, será levado para fora quando retornarem ao convívio social.

Não é "defender bandido", mas zelar pelos pactos que estabelecemos como sociedade. Por exemplo, que o Estado não deveria torturar ninguém. E quem vai pagar o pato pelo Estado torturar somos todos nós. O que anos de políticos irresponsáveis e estruturas que pregam a violência como nosso cimento social (como certas famílias, igrejas, escolas e veículos de comunicação) têm pavimentado dificilmente será desconstruído do dia para a noite. Em alguma hora, precisamos começar. Mas, ao que tudo indica, não será com Moro.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.