Holanda fará eutanásia em domicílio. Por aqui, aliviar a dor é crime
Leonardo Sakamoto
17/02/2012 12h52
A Holanda deve lançar, em março, a primeira unidade móvel do mundo para fazer eutanásia em domicílio.
De acordo com matéria de Cláudia Collucci, na Folha de S. Paulo, a equipe vai atuar quando a família ou os médicos se recusarem a dar drogas letais a pacientes terminais que desejam morrer. Desde 2002, a eutanásia é legalizada no país, onde cerca de 2700 mortes assistidas são realizadas anualmente. As seis unidades móveis, compostas de um médico e um enfermeiro cada uma, devem elevar em mil esse total.
A Federação dos Médicos Holandeses é contrária à iniciativa porque acredita que alguns pacientes poderiam ser tratados. A ministra da Saúde, Edith Schippers, disse ao parlamento que as unidades são "para pacientes que sofrem insuportavelmente sem nenhuma perspectiva de melhora", mas cujos médicos não estão dispostos a fazer eutanásia.
Têm sido frequentes os pedidos à Justiça na Europa e Estados Unidos para que doentes terminais com dores insuportáveis cometam eutanásia. Querem ter o direito de partirem lúcidos e ao lado dos familiares, mas muitos apelos vêm sendo solenemente ignorados – pelo governo, por médicos, pela família. Acabam cometendo suicídio sozinhos, outros ajudados na clandestinidade. Na verdade, pouco importa, porque em ambos os casos significa que o Estado e a sociedade lhes deram as costas.
Histórias de médicos que cometem eutanásia (para além da ortotanásia, que é deixar a vida e a morte seguirem seu curso e se encontrarem) diariamente nas UTIs não são raridade no Brasil. Pessoas com sensibilidade para entenderem quando o seu semelhante quer dar cabo de sua existência devido a um sofrimento extremo e não tratável e responder a pedidos desesperados. Normalmente, aumentam a dose de medicação até o ponto de falência do organismo.
Aqui no Brasil, estamos longe de debater nos termos da Holanda, por mais que o tema seja polêmico por lá. Falar disso, gera olhares de nojo e repreensão em muita gente. Mas não deveria, afinal não é uma discussão sobre a morte, mas sobre a vida e sua dignidade, ou seja, de como as pessoas querem terminar os seus dias. Afinal de contas, a nossa vida pertence a nós. Se alguém acredita que pertença a alguma entidade sobrenatural, dedique sua vida a ela. Mas não impeça a garantir de políticas públicas.
O Estado deve proteger a vida. Mas que tipo de vida? Aquela sem qualidade nenhuma, de dor e sofrimento, apenas para cumprir uma exigência legal, filosófica ou religiosa?
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.