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Decisão correta do STJ libera Cristiane Brasil. Boa sorte aos trabalhadores

Leonardo Sakamoto

20/01/2018 15h38

Cristiane Brasil (PTB-RJ) ao lado do pai, Roberto Jefferson Foto: Antonio Augusto/Câmara dos Deputados

O Superior Tribunal de Justiça concedeu liminar que libera a deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ) para assumir o cargo de ministra do Trabalho. A posse havia sido suspensa pela 4a Vara Federal de Niterói, no Rio de Janeiro – decisão confirmada mais de uma vez pelo Tribunal Regional Federal da 2a Região.

O vice-presidente do STJ, Humberto Martins, acatou a argumentação do governo de que a lei não prevê que condenações trabalhistas sejam motivo suficiente para proibir a indicação para o cargo de ministro.

No dia 8 de janeiro, quando a Justiça Federal suspendeu sua posse, publiquei aqui que não havia nada em nossa legislação que impedisse Michel Temer de nomeá-la por conta de condenações trabalhistas. Afinal, o primeiro escalão do governo federal é escolhido por critério de confiança e é decisão do presidente da República. É uma ação política, não um ato administrativo comum. E adiantei que a decisão muito provavelmente cairia no pleno do Supremo Tribunal Federal ou antes disso.

Repito o que disse naquele texto: Não acredito que a deputada Cristiane Brasil seja o melhor nome para estar à frente do Ministério do Trabalho, longe disso. Penso ser um absurdo que Roberto Jefferson, seu pai, continue como um personagem central da política nacional, escolhendo membros de governos. E considero inacreditável que Michel Temer e a cúpula do PMDB sigam mandando no país mesmo após transformarem o Palácio do Planalto em um feirão de compra de votos de parlamentares visando a rejeitar duas denúncias criminais contra ele.

Mas ele tem o direito de indicar quem ele quiser desde que preencha os requisitos constitucionais, como inexistência de condenação criminal ou por improbidade administrativa. Não nego a importância do sistema de freios e contrapesos para que as instituições se fiscalizem e evitem excessos. Mas a justificativa dessa suspensão não está prevista nesse sistema.

Bem como o impedimento de Lula para assumir como ministro-chefe da Casa Civil, que também se baseou em argumentos que não resistiriam a um pleno do STF. Mas chegou em Gilmar Mendes, que proferiu uma decisão política, muito criticada por juristas, mantendo o ex-presidente longe do governo.

Nenhuma agenda de moralização da política, como aquela adotada por setores do Poder Judiciário, pode correr sem obedecer ao que está escrito na lei. Infelizmente, a judicialização da vida política do país, fomentada no processo que levou ao impeachment, ajudou a desequilibrar as relações entre as instituições. E isso não volta através de uma hora para outra.

A Presidência da República, por outro lado, deveria ter checado os antecedentes antes de indica-la. Teria constatado que Cristiane Brasil foi condenada por não assinar a carteira de trabalho, nem pagar direitos trabalhistas básicos a um motorista que a acusou de jornadas de 15 horas diárias entre 2011 e 2014, por exemplo. Com isso em mãos, poderia ter ponderado o desgaste e a insatisfação pública antes de fazer a indicação. E apontado alguém com formação técnica, experiência na área e contra o qual não pesassem esses fatos.

Ainda mais em uma área delicada na discussão da Reforma Trabalhista, que ainda não terminou na prática. Por conta da tramitação de uma Medida Provisória para mudar pontos que ficaram acordados com senadores governistas, há cerca de mil propostas de emendas esperando para serem analisadas. E isso pode transformar o texto que passou a valer em novembro passado.

Tão delicada que se tornou facilmente o epicentro de uma grande polêmica, quando o Ministério do Trabalho publicou uma portaria, em 16 de outubro, mudando as regras para se combater o trabalho escravo, o que dificultaria a libertação de pessoas e reduziria a transparência da "lista suja" de empregadores. O Supremo Tribunal Federal suspendeu a portaria e, com a pressão pública, o governo publicou uma nova, no final de dezembro, revendo a mudança conceitual.

Difícil, porém, imaginar que Michel Temer não atenderia a um pedido de Roberto Jefferson, presidente do PTB, pai de Cristiane Brasil e que tem garantido sustentação ao seu governo no Congresso Nacional.

A posse deve ocorrer nesta segunda (22). Se ela não for barrada novamente (o roteirista do Brasil é alguém muito louco), caberá à população, à sociedade civil organizada, a sindicatos, a associações empresariais, a organizações do sistema das Nações Unidas e à imprensa fiscalizar a atuação da nova ministra.

Muitos se perguntaram como uma pessoa com condenações por ignorar direitos básicos de empregados particulares pode dar a última palavra sobre a Secretaria de Inspeção do Trabalho, responsável por monitorar a assinatura de carteiras e o pagamento de direitos e por controlar o limite de jornadas. Uma pergunta que teremos que ver ela responder.

E deve-se ficar de olho na influência de Roberto Jefferson em sua gestão. Em entrevista à Folha de S.Paulo, publicada nesta quarta (17), ele se baseou em dados incorretos e distorcidos para atacar a Justiça do Trabalho e defender, na prática, uma redução na efetivação dos direitos trabalhistas. No texto que está neste link, trato dos pontos elencados por ele, comparando com os dados produzidos por fontes confiáveis.

Como já disse aqui, Jefferson não parecia estar falando, na entrevista, como um líder de um partido que carrega "trabalhista" no nome. Mas o pai ressentido de uma deputada impedida por uma decisão judicial (incorreta) de assumir o Ministério do Trabalho por ter sido condenada por um juiz do Trabalho ao não garantir direitos a seus motoristas particulares.

Por fim, Temer segue refém de uma estrutura de apoios políticos e econômicos que montou em nome tanto de sua sobrevivência quanto da de seu grupo. E nós seguimos reféns dele, tendo que pagar a conta por uma dívida que não fomos os responsáveis por contrair.

Boa sorte aos trabalhadores, vamos precisar.

Em tempo: Muitos leitores têm dificuldade em entender como é possível defender o direito de Temer a indicar a deputada e, ao mesmo tempo, opinar que ela não tem condições para ser escolhida para o cargo. Uma coisa é exigir que a Constituição seja seguida, sob o risco de nos aprofundarmos nessa Casa da Mãe Joana institucional que virou o país. Outra é uma avaliação pessoal ou coletiva sobre a futura ministra. Um dos grandes problemas do nosso tempo é que as pessoas não conseguem separar as coisas, achando que sua opinião deveria ser lei.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto