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Leonardo Sakamoto

Cozinhando com Sakamoto: Timor Leste

Leonardo Sakamoto

10/11/2007 11h31

(Eu tô péssimo de títulos ultimamente!)

De todas as modalidades de turismo, uma das que eu mais gosto é a gastronômica, pois acho que uma das melhores formas de conhecer a cultura de uma região ou país é pela boca. Experimentar a mistura de sabores, odores e texturas de determinado povo ou comunidade é entender como, ao longo dos anos, seus costumes e práticas foram se moldando e sob quais influências.

Bem, a idéia não é fazer uma análise antropológica e sociológica da alimentação, mas transmitir algumas receitas populares boas (ou seja, sem ovas, fungos ou especiarias caras) que fui ouvindo e experimentando ao longo das minhas viagens.

Vou começar com uma do Timor Leste, uma pequena metade de ilha, ex-colônia portuguesa, entre a Indonésia e a Austrália. Estive lá em 1998 para fazer uma reportagem sobre a luta do povo maubere contra a invasão indonésia – um ano antes de um plebiscito que levou o país à independência.

Os altos Vales de Maubessi,onde há produção de café. As fotos são minhas, com exceção da que eu apareço – é claro

No dia 30 de agosto de 1999, 78,5% da população do Timor Leste votou a favor de sua autodeterminação e contra a integração definitiva com a Indonésia – o auge de 24 anos de resistência à dominação e guerra pela independência.

A ocupação, mantida à força pelo governo do general Suharto, causou o maior genocídio do século 20, com 44% de timorenses mortos direta ou indiretamente pelo conflito – tendo como base o número de habitantes em 1975.

Guerrilheiro pró-independência timorense durante missão de reconhecimento

Uma nova onda de violência tomou conta do país próximo à data do plebiscito, quando grupos paramilitares armados pela Indonésia espalharam o terror entre os timorenses. Enfim, o país foi desocupado, eleições foram realizadas e, apesar de trancos e barrancos, há uma estabilização em curso. Hoje, Timor continua um país pobre, mas livre para tentar construir um futuro diferente do que servir a um outro país, que explorava seus recursos naturais e matava sua gente.

Eu, bem mais magro, hospedado com a guerrilha timorense na selva, tomando partido na história

Maria Olandina Isabel Caeiro Alves, viúva e mãe, era deputada na assembléia provincial de Timor Leste quando estive na ilha. Torturada e presa algumas vezes, possuía dois restaurantes de comida portuguesa em Dili. Em suas mesas, desenrolaram-se várias reuniões da resistência timorense na clandestinidade.

Os portugueses quando colonizavam uma terra deixavam casais de cabras e bodes para que se procriassem e servissem de comida aos futuros moradores do local. Quem visita a ilha de Santa Bárbara, no Arquipélago de Abrolhos, vê o que significa uma infestação de caprinos. No Timor, animais andavam soltos de uma lado para o outro nas ruas e estradas. Abaixo, está a receita do Tuquir, prato típico do Timor Leste feita a base de carne de cabrito, como é feito por Olandina, em seu Restaurante Massau.

Tuquir

Ingredientes (quando perguntei a quantidade, ela disse para colocar o suficiente)

Tripas de um cabrito ou vitelo
Fígado e coração
Costelas
Carne de um pernil de cabrito ou vitelo
2 cebolas grandes
2 dentes de alho
1,5 xícara de sopa de azeite
1 colher de chá de açafrão em pó
2 colheres de sopa de molho de tamarindo ou 2 colheres de chá de vinagre
Sal, pimenta e gengibre a gosto
Água suficiente para cozinhar a carne

Modo de preparo

Nas palavras dela: "As cebolas são cortadas às rodelas e os dentes de alho são picados. Junta-se as tripas já limpas e bem lavadas, o fígado, o coração, as costelas e a carne, cortados tudo em pedaços e misturados, não esquecendo o resto dos temperos e o azeite ou óleo. Mistura-se tudo muito bem já na panela onde vai ser cozinhado. E, por fim, junta-se a água e leva-se ao fogo. Deixe cozinhar em fogo brando. Quando a carne estiver já fofa, retire e sirva com arroz branco e um bom vinho".

Olandina cozinhando em seu restaurante

E de preferência que o prato seja feito em um bom fogão à lenha. Assim como o dos restaurantes de Olandina, quase todo o Timor usa a lenha para cozinhar. Na beira das estradas você encontra feixes de madeira à venda e é muito comum ver garotos ou mulheres cortando lenha nas matas e carregando na cabeça por quilômetros até chegar em casa.

Herman Soares tinha cortado lenha para levar para casa naquele 16 de junho de 1998. Tudo pronto e amarrado, pôs-se a caminhar. De repente, soldados indonésio requisitaram o seu feixe, ordenando que carregasse a madeira para um acampamento do exército. Herman negou. Hoje, há um monumento na estrada entre Dili e Manatuto que indica o local onde isso aconteceu. Uma pequena inscrição explica o resto da história aos viajantes que por ali passam: "Mati di tembak abri". Morto pelo exército indonésio. Timor é uma nação jovem de um povo antigo. Torçamos para que cenas como essa não sejam copiadas nunca mais.

Sei que fica do outro lado do mundo, mas se passarem por lá, visitem Timor. É um dos lugares mais bonitos que eu já vi, com belas praias e montanhas e gente hospitaleira. Vale a pena para fugir do mais do mesmo do turismo engaiolado dos pacotes.

Barco tradicional de pesca na costa de Dili, a capital

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.