Bem-vindos à era das crianças por controle remoto
– Vai já para trás do seu irmão! – gritou a mãe.
E o rapazinho, do alto dos seus cinco ou seis anos, acelerou o seu sedan de brinquedo e foi para perto do irmão, que passeava em um reluzente esportivo azul. Procurei os pés dele empurrando o carro por baixo, no melhor estilo Flinstones, ou mesmo algum pedal. Nada. O brinquedinho era elétrico.
Neste domingo, fui andar de bicicleta no Parque do Povo, aqui na capital paulista, para ver se conseguia reduzir a quantidade de Sakamoto no mundo. O lugar é agradável mas, de fato, não é o "povo" em seu significado mais amplo que o freqüenta e sim uma parte mais abonada dele. Apesar de aberto a todos, não reúne uma pluralidade comparável com a do Ibirapuera, sendo praticamente um reduto da classe média alta que vive em seu entorno. O que não é uma crítica a ele ou a seus freqüentadores. Mas são poucos os lugares em que encontraria uma quantidade perceptível de crianças andando nesses triciclos high-tech.
Quando pequeno, tive um velotrol de plástico, assento rosa e guidão branco e azul, com umas fitinhas que enfeitavam os manetes. A motorização ficava na base dos dois sapatinhos pretos que eu usava por conta do pé chato. Se na minha infância existia um mimo elétrico como esse, eu nunca vi. E mesmo se tivesse visto meus pais não teriam dinheiro para comprá-lo.
Ainda bem. Fico imaginando a geração de crianças que vai crescer com um carrinho elétrico. Certamente, farão menos exercícios que seus amigos que andam de triciclos, serão menos saudáveis – fisicamente falando. Brinquei muito de videogame quando criança, mas também andava de bicicleta, descia a rua com carrinho de rolimã, empinava pipa, jogava taco. Creio que meus pais conseguiram balancear bem os dois tipos de atividades e eu tive sorte de crescer em um bairro afastado do centro, em que a rua me pertencia mais do que eu aos muros da minha casa.
Contando a história a um amigo ele me revelou que o buraco é mais embaixo, pois em lojas especializadas já é possível encontrar esses mesmos carrinhos elétricos com controle remoto. Ou seja, pais guiando os filhos a um toque de botão. Fico sem entender se isso faz parte da paranóia de segurança urbana ou de uma definição de "conforto" que não entra no meu dicionário porque esbarra no significado de "bom senso". Ou ainda de um tipo de prazer em considerar o próprio filho ou filha um brinquedinho – talvez compensando alguma carência de infância. E eu que achava estranhas aquelas cordinhas presas ao cinto da criança, com um sistema de recolhimento de cabo semelhante aos usados para levar os totós para passear.
Talvez isso não tenha nenhum efeito na formação da criança, talvez seja inofensivo. Mas se já é estranho privar a criança de um mínimo de exercício físico, é mais esquisito ainda privá-la da autonomia de guiar o seu carrinho. Que tipo de pessoas estamos gerando com isso? Cidadãos mais obedientes, com uma vida assepticamente programada?
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