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Leonardo Sakamoto

Pará vende fazendas a "preço de banana", diz entidade

Leonardo Sakamoto

26/03/2012 16h02

A Comissão Pastoral da Terra no Pará soltou uma nota pública, nesta segunda (26), afirmando que o governo estadual está fechando um acordo com a família Mutran e o grupo Santa Bárbara Xinguara para "vender, ilegalmente, terras públicas a preço de 'banana"'. A CPT é ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Em 2008, a Folha de S. Paulo publicou boa matéria sobre o tema. De acordo com o jornal, as áreas eram públicas e estavam cedidas pelo Estado para colonização e extrativismo e não poderiam ser vendidas sem autorização do governo. Agora, segundo a Pastoral da Terra, um acordo para formalizar tudo está para ser homologado.

Santa Bárbara, que possui um dos maiores rebanhos do país, é ligado ao grupo Opportunity, de Daniel Dantas. Mas, de acordo com documentos registrados nas Juntas Comerciais de São Paulo e do Pará, obtidos pelo Ministério Público Federal, Verônica Dantas, irmã de Daniel Dantas, é quem aparece como uma das sócias. A situação fundiária é tão confusa que a Justiça do Trabalho no Pará, por conta de outros processos, solicitou a representantes da empresa informações sobre quem são realmente os sócios do empreendimento, dando um prazo de dez dias a partir de 22 de março.

Lembrar é viver: Uma das fazendas vendidas à Santa Bárbara é a Espírito Santo. Que tem uma história manchada de sangue. Em setembro de 1989, aos 17 anos, o trabalhador rural José Pereira Ferreira foi atingido por uma bala no rosto por funcionários da fazenda Espírito Santo quando tentava escapar do trabalho escravo. A propriedade era de Benedito Mutran Filho, na cidade de Sapucaia, Sul do Pará. O caso, que não recebeu uma resposta das autoridades brasileiras, foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Para não ser condenado por omissão, o governo brasileiro teve que fazer um acordo em que se comprometia a adotar uma série de medidas para combater o trabalho escravo e a indenizar José Pereira pela omissão do Estado. Em novembro de 2003, o Congresso Nacional aprovou um pagamento de R$ 52 mil. O caso ainda está aberto, aguardando julgamento de acusados. Tanto no processo da OEA quanto no que correu na Justiça brasileira, Benedito Mutran Filho não aparece entre os réus.

Este fevereiro deste ano, outra fazenda do grupo Santa Bárbara Xinguara, libertou cinco trabalhadores, incluindo um jovem de 16 anos, em uma fazenda do grupo Santa Bárbara Xinguara em São Félix do Xingu – caso que ganhou repercussão na imprensa.

Segue a nota da Pastoral da Terra:

O Estado do Pará, que deveria reaver e retomar as áreas públicas, correspondente às fazendas Espírito Santo e Mundo Novo, localizadas no Sul do Pará, que foram ilegalmente destacadas do Estado, está vendendo essas terras a preço de irrisório, bem abaixo do valor de mercado, dilapidando o próprio patrimônio.

Em 09 de junho 2010, Pará ingressou com ações perante à Vara Agrária de Redenção, para reaver essas terras do Estado, contra Benedito Mutran Filho, Cláudia Dacier Lobato Prantera Mutran, Alcobaça Participações Ltda e Agropecuária Santa Bárbara Xinguara S/A, esta pertencente ao grupo Opportunity, que tem como um de seus sócios o banqueiro Daniel Dantas. Em razão dessas ações, essas áreas estão com os suas matriculas bloqueadas no cartório de registro de imóveis de Xinguara.

Essas terras foram concedidas no final da década de 50 à família Mutran, por aforamento, isto é, para coleta de castanha-do-Pará, onde o Estado permitia a exploração da castanha, sem contudo transferi-la do patrimônio público ao privado. Entretanto, a atividade original do aforamento, a extração de castanha-do-pará, foi deixada de lado, sem a autorização do Estado, para a pecuária, inclusive com desmatamento de grande parte das áreas e exploração de madeira.

Benedito Mutran Filho, antes mesmo de obter o ato de alienação definitiva dessas fazendas, o que supostamente ocorreu no dia 28 de dezembro de 2006, fez contratos de promessa de compra e venda dos imóveis em 9 de setembro de 2005 às empresas Santa Bárbara e Alcobaça. Na época, o ato de alienação concedido pelo Iterpa em favor de Benedito Mutran Filho foi realizado sem qualquer autorização do chefe do Poder Executivo, o governador, o que caracteriza a sua nulidade.

O que é muito mais grave é que, apesar de ter sido o próprio Estado do Pará quem ingressou com as ações para reaver essas terras públicas, este mesmo Estado firmou acordo com Benedito Mutran nos processos, para vender as mesmas a um valor muito abaixo do valor de mercado, a preço de "banana", chegando a ser até mais de 13 vezes menor que o valor que elas realmente valiam. Por exemplo, a fazenda Mundo Novo que o Estado do Pará vendeu no acordo a Benedito Mutran pelo valor aproximado de R$ 400 mil, foi vendida pelo mesmo Mutran ao Grupo Santa Bárbara por mais de R$ 5 milhões.

Não bastassem essas gravíssimas ilegalidades e irregularidades, os Procuradores do Estado do Pará estão prevendo no acordo, honorários de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para sua Associação particular, portanto se beneficiando pessoalmente com o acordo.

O que o Estado do Pará ganha em vender suas terras a preço tão irrisório?

O acordo já foi celebrado, faltando apenas o juiz da Vara Agrária de Redenção homologar.

Diante disso, para preservar o interesse e o patrimônio público exige-se:

1. A não homologação do acordo pelo poder judiciário, vez que assim o fazendo, o judiciário estaria sendo conivente com as ilegalidades e irregularidades dos processos.

2. A atuação do Ministério Público Estadual e Federal que deve agir de maneira exemplar para zelar pelo patrimônio público e investigar e denunciar as ilegalidades do processo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.