Dilma, a utopia e um panda de pancake
Até o mais tonto dos passarinhos da Esplanada dos Ministérios sabe que criticar, ainda que de forma construtiva, os grandes projetos de usinas hidrelétricas na Amazônia é certeza de levar, no mínimo, uma bronca cabeluda de Dilma Rousseff. Então, imagino como ela deve ter ficado feliz com poréns levantados por representantes da sociedade civil em reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas nesta quarta (4).
Como resposta, ela afirmou que o país tem a missão de propor novos modelos de crescimento que não pareçam "etéreos ou fantasiosos". E que não há espaço na Rio+20 (a conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável) para fantasia."Não estou falando da utopia, essa pode ter, estou falando da fantasia", afirmou.
Utopia é para ser perseguida, não necessariamente alcançada. Funciona como um norte de bússola.
Nesse sentido, a utopia pareceria mesmo fantasia para quem considera como o norte de seu governo a manutenção de modelos de desenvolvimento tradicionais, que podem até melhorar a qualidade de vida de parte da população, mas às custas da dignidade da outra parte.
(Como já disse aqui, não adianta se dizer contra os verde-oliva e seguir a cartilha deles.)
Quem vê uma alternativa complexa como uma impossibilidade política ou econômica dificilmente conseguirá propor novos modelos de desenvolvimento que, por exemplo, tentem aliar crescimento ao respeito aos direitos humanos de populações e trabalhadores diretamente afetados por grandes obras. Digo "tentem" porque sabemos que a menos que ocorra uma mudança profunda em nosso modo de produção, o rosário de desgraças continuará acontecendo pela sua própria natureza. Parafraseando o assessor de Bill Clinton, "é o capitalismo, estúpido!"
Enfim, não conseguir mirar um norte diferente é não conseguir ver alternativas de caminho como reais. É se contentar, pelo contrário, com maquiagens do modelo atual como mudanças profundas e acreditar nelas. É ver um panda coberto de pancake e chamá-lo de meu querido urso polar.
Aí, sim, me pergunto: quem está fantasiando?…
Por isso, soa profética outra coisa que ela disse na reunião: "Tenho de explicar para as pessoas como é que elas vão comer, ter acesso à agua e energia. Não faço proposta olhando só para o próprio umbigo. Vamos ter de ser capazes de fazer a junção do social, econômico e o ambiental, incluir, proteger e conservar".
Certamente, ela vai ter que explicar isso para muita gente mesmo. A começar: como é que os atingidos por essas grandes obras vão comer, ter acesso à água e energia? Vale lembrar que a Amazônia é grande exportadora de eletricidade e os novos projetos de engenharia existem para abastecer o país como um todo. Ou seja, o povo de lá fica com os problemas e nós com o ar condicionado.
Não sou idiota de achar que as soluções são fáceis e que iremos abandonar a matriz hidrelétrica tão cedo. Mas o governo não se esforça no sentido de calcular o custo/benefício de seus projetos, incluindo os impactos socioambientais, antes de tocá-los (ou até calcula, mas como sai vantajoso para alguém, manda ver). Ela prefere ser irônica com energia eólica e solar e nem citar a biomassa, a repotencialização das usinas, a melhoria no sistema de transmissão, a melhor integração entre diferentes matrizes, a busca por respeitar as populações locais envolvidas.
Segue, dessa forma, a "utopia do possível", impossibilidade técnica inaugurada por FHC e abraçada por Lula.
O pior de tudo é que, no fundo, Dilma sabe de tudo isso. Ela só não quer tentar.
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