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Leonardo Sakamoto

Para que traduzir se a gente pode complicar?

Leonardo Sakamoto

12/04/2012 15h26

Anda akan kehilangan tanah. Ikan itu akan mati. Hewan-hewan akan hilang. Penyakit akan muncul. Anak perempuan akan menjadi pelacur. Anak laki-laki akan diperbudak. Hutan akan hilang.

O jornal Valor Econômico traz, nesta quinta (12), matéria sobre novas regras criadas pelas Funai para analisar o impacto de grandes obras de infraestrutura sobre comunidades indígenas. A reportagem trata do temor de empresários que vêem nas medidas um freio no processo de licenciamento ambiental para a construção de novas usinas hidrelétricas.

Um dos pontos questionados é a necessidade do relatório de impacto ambiental ser encaminhado às comunidades indígenas afetadas em "linguagem acessível ou com traducão para línguas indígenas, a ser elaborado pelo empreendedor". Empresários temem que isso custe tempo e dinheiro.

A necessidade de que os impactos previstos estejam em linguagem acessível aos indígenas não é novidade. É demanda da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos ao governo brasileiro, que não está sendo cumprida, no caso da construção da usina de Belo Monte, por exemplo. Os empresários pedem que a tradução seja feita apenas em casos excepcionais. O problema é que, na pressa, nada é excepcional.

O tempo que uma tradução como essa ela levaria para ser feita e circular entre as comunidades, sendo lida ou ouvida, não é grande. Já o impacto causado pelo conteúdo é outra história.

("Ah, mas quem mora no Brasil tem que saber falar português." Normalmente até rebato esses argumentos. Mas, hoje, não. Hoje, só escreverei um "dãããããã" para quem pensa assim e esquece cinco séculos de história.)

História de massacres, a bem da verdade. Durante a construção da BR-174, que cortou o território Waimiri Atroari, entre Roraima e o Amazonas, o exército brasileiro controlado pela Gloriosa quase levou à extinção o povo kinja na década de 70. Há relatos de bombas lançadas por aeronaves na população. Outros relatos apontam o massacre de indígenas no Mato Grosso na década de 60, quando fazendeiros, com o apoio de representantes do Estado, teriam lançados objetos contaminados com doenças, como sarampo, nas aldeias indígenas. Reestabelecida a democracia, casos assim continuaram. Há denúncias de que pecuaristas, temendo que suas terras viessem a ser devolvidas aos indígenas isolados que nelas viviam no Sul de Rondônia, mandaram dar açúcar de presente à tribo. O que não avisou a eles é que o açúcar tinha sido temperado com veneno de rato. Isso sem contar as  usinas em construção que empurram, com promessas, os indígenas para fora de suas terras. Tudo isso com o silêncio anuente de boa parte da sociedade.

Imagine o desespero de não entender o que uma pessoa de fora, que chega com um sorriso nos lábios e mil palavras bonitas, quer dizer. A sensação deve ser tão estranha quanto ver o primeiro parágrafo deste post e não entender absolutamente nada. Ele traz uma versão do indonésio para o seguinte texto:

Você vai perder a sua terra. Os peixes que você pesca vão morrer. A caça vai sumir. Doenças irão surgir. Moças se tornarão prostitutas. Rapazes serão escravizados. As florestas vão desaparecer.

Mas quem precisa de tradução, né?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.