Topo

Leonardo Sakamoto

Eleições: se "investimento" não der retorno, deixa de ser bom?

Leonardo Sakamoto

15/05/2012 13h09

Nesse período, os empreiteiros procuraram, com sucesso, consolidar e ampliar seus vínculos como o governo. Passaram, por exemplo, a patrocinar comícios – o famoso comício das reformas (…), por exemplo, teve suas despesas pagas por um grupo de empreiteiros. Às vésperas da votação de alguma lei cuja rejeição ou aprovação interessava aos empreiteiros, pequenas fortunas influenciavam o comportamento de deputados e senadores ligados ao governo.

O texto acima poderia ter sido publicado em qualquer jornal da última semana, recheada por escândalos de corrupção que envolveram parlamentares e empreiteiras. Mas não. O trecho foi extraído do livro "Minha Razão de Viver" (17ª edição, página 238), do jornalista Samuel Wainer, fundador do Última Hora, e se refere à ditadura militar.

Para não dizer que nada mudou nos últimos 40 anos com relação a essa orgia de cal e cimento, pontes e barragens, financiamentos de campanhas e os carpetes de tons frios dos corredores do Congresso, não temos mais o povo de farda verde no poder e o país é pentacampeão no futebol. Mas, por outro lado, essas empresas engordaram com o tempo e hoje o apetite de algumas delas pelo erário público é bem maior.

Após cada eleição, os veículos de comunicação divulgam levantamentos mostrando que a maior parte dos parlamentares recebeu dinheiro de construtoras para suas campanhas.

Receber doação não é ilegal, mas quem acredita que tamanho investimento foi feito à toa por essas empresas? Pelo bem da democracia? Faz-me rir.

Quando fui ao Jóquei pela primeira vez, perguntei se seria possível apostar em todos os cavalos ao mesmo tempo – no que fui ridicularizado por amigos mais experientes no assunto. Talvez por isso, traumatizado, receie um pouco em questionar em público o motivo de, ora bolas, grandes empresas doarem dinheiro para diferentes candidatos que disputam o mesmo cargo nas eleições. Em outras palavras, apostam no Batman e no Coringa, no Superman e no Lex Luthor, no Scooby-Doo e nos Fantasmas, no Tico e no Teco – sem juízo de valor para com os candidatos, é claro. Qualquer um pode ser o Tico e o Teco. E, no caso brasileiro, o Superman não necessariamente é o mocinho. Muitas vezes, o Pinguim é mais honesto.

Olha, coisa bonita de se ver a construção republicana que essas empresas de cimento, pedra e vergalhão ergueram ao financiar as candidaturas de políticos de diferentes matizes! Bancam até candidatos ditos verdes, veja só! Só um espírito verdadeiramente altivo ignoraria diferenças partidárias e injetaria recursos em campos opostos para possibilitar a compra de santinhos, adesivos, banners, faixas, gasolina, diárias de hotel, salário de marqueteiro e deixar correr o livre debate público. No final, apostaram no cavalo vencedor. Mas quem se importa com isso, não é mesmo?

Teoricamente, o ato de doação é um indício de que o doador comunga das propostas do candidato, deseja que ele o represente politicamente, seja por suas idéias, seja por sua classe social ou quer criar com ele um vínculo por meio desse apoio em campanha. Alguns eleitos mantém apenas diálogos cordiais com os financiadores (do tipo, "obrigado, mas fiquemos a uma distância de segurança para não pegar sapinho"), outros literalmente "pagam" através de serviços prestados – como já foi provado em operações da Polícia Federal e Comissões Parlamentares de Inquérito. Não tanto pelo passado, mas para garantir o financiamento de amanhã. Entre as duas pontas, há muitas gradações.

Não estou querendo fulanizar a questão neste post porque são muitos os nomes. E os colegas da imprensa já estão fazendo um trabalho formidável ao relatar em matérias financiadores e financiados – relatos que vão se mutiplicar até as eleições deste ano e depois dela, quando o TSE liberar em seu site quem doou para quem.

Mas gostaria de aproveitar o clima em que os confetes e as serpentinas da democracia estão prontos para serem lançados pelo salão eleitoral para dar uma sugestão demagógica, porém divertida: que tal os vereadores eleitos com recursos de empreiteiras serem impedidos de participarem de comissões e quaisquer ações nas Câmaras que envolvam discussão ou fiscalização das obras para a Copa de 2014 ou para as Olimpíadas de 2016? Se toparem, por que não ir mais longe? Sugiro incluir também as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Minha Casa, Minha Vida, Luz para Todos… Que tal, hein, hein?

Perguntinha: se um investimento passa a não dar retorno, ele deixa de ser investimento?

Há aqueles candidatos, de diferentes partidos, de progressistas a conservadores, que não aceitam doações de pessoas jurídicas. São chamados de idiotas porque não teriam percebido que o mundo é outro e não se faz polílica sem muito dinheiro e sem empresas fluindo rios de recursos.

É outro porque nós permitimos que as eleições se tornassem um turfe. Ou melhor, um cassino sem regras, uma grande mesa de fundos de investimentos futuros. Ou viramos o jogo ou será impossível encontrar alguém que ganhou uma eleição sem rabo preso nesse país. Não estou aqui defendendo necessariamente o financiamento público de campanha ou coisa que o valha, mas pedindo para que todos não torçam o nariz quando ouvirem falar desse tipo de debate, fundamental para o futuro da nossa democracia.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.