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Leonardo Sakamoto

Precisamos de mais ações de guerrilha urbana no dia a dia

Leonardo Sakamoto

30/05/2012 08h02

De início, devo reconhecer, eu era um tanto quanto cético quanto à real capacidade de flash mobs (aqueles protestos instantâneos, de curtíssima duração, organizados por redes sociais via internet ou por mensagens SMS) de contribuírem com alguma mudança na vida real.

Presenciei vários deles, como quando um grupo de umas 80 pessoas se reuniu no vão livre do Masp para exigir "Fora, Sarney". Com cara de indignados, cruzavam a faixa de pedestres quando o semáforo fechava e retornavam à calçada quando abria. Até porque fechar o trânsito é coisa de vândalo, né? Eu quase convoquei um flash mob contra aquele flash mob.

Há atos que, mesmo curtos, são simbolicamente fortes e capazes de gerar uma discussão sobre a importância de não se jogar o voto fora ou mesmo de pressionar determinada empresa pelo constrangimento. Não vão desestabilizar o sistema, mas vão causando, o que é fundamental. Outros apenas funcionam como uma expiação da culpa individual que nos é incutida impiedosamente desde o berço. Os que trazem, em sua natureza, o protesto contra o "estado das coisas" raramente contribuem com algo. Mesmo assim são válidos no sentido de ocupar o espaço público. Ao menos, os indignados da faixa de pedestres saíram de casa, enxergaram a urbe como algo que lhes pertence e se dispuseram a mostrar a cara – fundamental para que o debate ocorra.

Mas, graças a Alá, os mobs foram ficando melhores, mais inteligentes, gerando resultados. Grandes marcas envolvidas em flagrantes de trabalho escravo em sua cadeia de produção foram alvo de protestos rápidos e bem humorados, como a Zara, em São Paulo, a Marisa, em Fortaleza, e recentemente a Gregory, também na capital paulista. Ações incômodas e cinematográficas que antes estavam restritas à mente deliciosamente doentia de organizadores de campanhas do Greenpeace passaram a pipocar aqui e ali. Assumiram, em alguns aspectos, características de guerrilha urbana para desestabilizar o nosso excesso de bom senso.

E falando em blitzkriegs, na Alemanha flash mobs foram utilizados por sindicatos para lutar por direitos trabalhistas. Por exemplo, tempos atrás, 150 pessoas encheram carrinhos de compras e os abandonaram lotados nos corredores em um shopping center. Distribuíram panfletos exigindo melhores salários e, é claro, explicaram aos outros trabalhadores o porquê da manifestação. Com isso, o comércio foi interrompido por uma hora e os empregados da loja levaram um dia inteiro para devolver tudo ao lugar, causando claros prejuízos aos donos dos estabelecimentos.

Ao analisar um caso de flash mob "trabalhista", a Justiça alemã considerou que essa forma de protesto é legítima e não pode ser considerada um impedimento aos negócios: "Uma ação organizada por um sindicato como esta, realizada no contexto de uma ação de classe, não é ilegal". Não tenho informações se a decisão foi revista pela Suprema Corte. Espero que não.

Atos assim escandalizam os manifestantes de butique, que se sentiriam desconfortáveis em participar de uma ação como essa. Afinal de contas, autoridades não demoram a chamar quem faz esse tipo de protesto de vândalos. Parte da mídia compra a idéia. Nada sobre as reais causas do problema. Nada sobre um Estado que não está nem aí ou empresas que precisam de um empurrãozinho. Dessa forma, vândalos somos todos nós que ainda nos indignamos com injustiças. Uma vez que manifestar a indignação nada mais é que vandalismo para quem está tão embutido no sistema e, por isso, ignora que ele não funciona a contento.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.