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Leonardo Sakamoto

Estudo relaciona indústria de ferro e aço ao desmatamento e à escravidão

Leonardo Sakamoto

12/06/2012 18h05

A produção de ferro-gusa e aço no Brasil tem em sua base problemas graves que precisam de soluções urgentes e mudanças drásticas. É o que aponta o estudo "Combate à devastação ambiental e ao trabalho escravo na produção do ferro e do aço", feito pela Repórter Brasil e a Papel Social Comunicação, a pedido da WWF-Brasil, Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Rede Nossa São Paulo e Fundación Avina. O documento, resultado de mais de dois anos de investigação jornalística, foi apresentado nesta terça (12), durante a Conferência Internacional do Instituto Ethos, em São Paulo (SP). Clique aqui para obter uma versão digital.

Com exemplos detalhados e documentados, o estudo apresenta problemas recorrentes no setor com especial atenção para o desmatamento e os impactos provocados na Amazônia, Pantanal e Cerrado, bem como para os casos de flagrantes de escravidão, que afetam principalmente trabalhadores pobres sem alternativas de emprego e renda.

Pesquisas de campo realizadas em Brasília (DF), Montes Claros (MG), Rio Pardo de Minas (MG), Várzea da Palma (MG), Sete Lagoas (MG), Belo Horizonte (MG), Conceição do Pará (MG), Campo Grande (MS), Aquidauna (MS), Marabá (PA), São Luís (MA), e Imperatriz (MA) permitiram não só traçar e demonstrar a ligação direta entre algumas das principais fabricantes de ferro e aço do país com a produção de carvão clandestino, como também detalhar mecanismos comumente utilizados para driblar a fiscalização.

Um exemplo é a lavagem de carvão, quando unidades produtoras ilegais regularizam o produto com documentos falsos ou apresentando a produção como se fosse de uma unidade regularizada. O estudo também trata de reflorestamento de fachada, uso de terras públicas, contrabando de carvão do Paraguai e de como o desmatamento e a exploração do homem têm recebido apoio e investimentos públicos.

Foram identificados grupos que usaram carvão vegetal de fontes que flagradas produzindo de forma ilegal. Entre eles, Libra Ligas, Rotavi, Sinobrás, Sidepar, Cosipar, Gusa Nordeste, Brasil Verde, Simasul, Vetorial, Grupo Itaminas, entre outros. Essas empresas, enquanto processavam esse carvão, estiveram conectadas comercialmente a grandes companhias como ArcelorMittal, Cosipa, Gerdau, Mahle, Fiat, Ford, General Motors e Volkswagen.

Participei da investigação da pesquisa. Portanto, sei que há empresas que já atuam cortando fora fornecedores que aparecem em listas negativas do governo federal. O que é importante, mas não resolve o problema. Quando uma carvoaria ilegal flagrada com escravos é inserida na "lista suja", é grande a chance de tal carvoaria não existir mais. Ou seja, é comum que a mata nativa usada para a produção do carvão tenha se esgotado e a empresa não só mudado de local, mas também de nome. O que leva à triste conclusão de que bloquear a "lista suja", no caso do carvão, é, muitas vezes, bloquear uma sombra.

Melhor seria que as siderúrgicas acendessem o sinal amarelo desde o momento de uma libertação de trabalhadores entre seus fornecedores, e não somente após a inclusão da "lista suja". Para viabilizar esse monitoramento, há diversas fontes de informação. Mais importante, porém, é que as produtoras de ferro-gusa garantam a origem de todo o carvão que consomem, com florestas plantadas e trabalhadores bem tratados, dentro do que exige a Consolidação da Leis do Trabalho. Ou seja, já não basta correr atrás do prejuízo. As empresas devem ser cobradas em ações de prevenção.

Por fim, qualquer estudo de cadeia produtiva do carvão mostra uma fotografia do passado. No caso deste estudo, os últimos três anos. Algumas relações podem não mais existir devido tanto ao encerramento de atividades das carvoarias, à mudança de razão social ou a decisões comerciais tomadas por conta de preço ou logística. Contudo, este estudo mostra empresas que estavam nessas redes enquanto o problema existiu. É, portanto, um chamado à ação e uma oportunidade de repensar políticas corporativas para garantir um desenvolvimento realmente sustentável às portas da Rio+20.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.