Topo

Leonardo Sakamoto

Estudo relaciona indústrias alemãs e violações aos direitos humanos no Brasil

Leonardo Sakamoto

29/09/2012 09h45

Para levar ao mercado mais de 60 milhões de carros em 2010, as 15 maiores empresas automobilísticas do mundo compraram cerca de 60 milhões de toneladas de metais. A responsabilidade das montadoras pelas violações aos direitos humanos ligadas à mineração e à indústria do aço, cobre e alumínio foi levantada pelo estudo "Do minério ao carro – Condições de mineração e produção de matérias-primas e a responsabilidade da indústria automobilística alemã".

Produzido por entidades ligadas às igrejas católica e protestante na Alemanha (Misereor e Brot für die Welt) e pela Global Policy Forum, o relatório está repercutindo por concluir que o governo e as empresas do país pouco fazem para assumir sua parcela de responsabilidade sobre as questões socioambientais que perpassam a mineração e a indústria de base, que opera sobretudo em países em desenvolvimento. Neste texto, podem ser encontrados destaques do relatório, reunidos por Denise Galvani, da Repórter Brasil.

Segundo o relatório, "nem as medidas tomadas pelos Estados nem as tomadas pelas empresas no âmbito da responsabilidade social corporativa são suficientes para remediar as violações dos direitos humanos (…). Melhoras significativas são possíveis, se Estados e empresas assim quiserem".

De acordo com o estudo, as montadoras não têm conhecimento de quem são seus fornecedores, já que a produção é fragmentada e intermediada por uma série de subsidiárias. Por exemplo, empresas foram pegas de surpresa, no segundo semestre de 2011, por uma súbita falta de autopeças e componentes eletrônicos: ninguém havia se dado conta que a destruição provocada pelo terremoto de Fukushima mexeria com sua cadeia produtiva.

Direitos humanos e a indústria de base – Como problemas relacionados à produção automobilística, o relatório cita conflitos agrários e expulsões arbitrárias no isolamento de áreas para mineração; o uso intensivo de energia para a conversão do ferro em aço e a produção de alumínio, que envolve os impactos da produção de carvão ou da construção de grandes hidrelétricas; e também a poluição e desequilíbrio na distribuição da água nas regiões onde se instalam as indústrias. Ainda o deslocamento de famílias e comunidades em conseqüência da atividade econômica e a violência provocada por conflitos de interesses constituem violações dos direitos das populações que vivem nessas regiões.

Em 2010, a Alemanha importou 43,1 bilhões de toneladas de minério de ferro (56,2% desse total, do Brasil, que ainda é um importante fornecedor de ferro-gusa e alumínio aos alemães). O relatório cita o uso de carvão vegetal feito a partir de madeira ilegal na produção de gusa e o trabalho escravo em carvoarias como problemas associados à produção de matérias-primas.

O caso da alemã ThyssenKrupp, alvo de ações judiciais por irregularidades trabalhistas e crimes ambientais em empreendimento conjunto com vale do Rio Doce em Sepetiba (RJ), foi lembrado no estudo. A Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) foi acusada de promover a destruição de manguezais e emitir poluentes que elevaram a incidência de doenças respiratórias e de pele na região desde 2010.

Políticas corporativas – O estudo faz críticas pesadas ao pensamento estratégico das empresas e do governo alemão. "A política de matérias primas da Alemanha se ocupa dos riscos socioambientais de maneira secundária; em primeiro lugar, está assegurar o suprimento de matérias-primas."

O estudo analisa ainda a política das três maiores montadoras alemãs – Volkswagen, Daimler e BMW. Representantes das três empresas teriam assumido que o acesso a informações sobre os padrões de produção de seus fornecedores é limitado. Nenhuma das empresas divulga o país de origem de suas importações, alegando questões estratégicas.
O relatório sugere às montadoras a adoção de exigências em contratos de fornecimento que pressionem as empresas a adequar-se a parâmetros claros de sustentabilidade, assim como uma auditoria periódica independente em atividades mais distantes do produto final.

As políticas corporativas poderiam melhorar consideravelmente, analisa ainda o relatório, se houvesse um esforço do governo alemão em exigir que as empresas rastreiem e divulguem a lista de seus fornecedores de matérias-primas. Regulamentação, nesse sentido, já existe nos Estados Unidos e também na União Europeia, para a importação de produtos químicos controlados.

Este blog tentou contato com as empresas na Alemanha, mas não obteve resposta até esta sexta.

Para obter uma cópia do estudo (apenas em alemão), clique aqui.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.