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Leonardo Sakamoto

Morre Eric Hobsbawm, companheiro de madrugadas

Leonardo Sakamoto

01/10/2012 09h53

O marxista Eric Hobsbawn foi o companheiro de malditas e intermináveis madrugadas regadas a mestrado e doutorado. Também foi cúmplice de muitas outras mentiras que resolvi contar. Não era companhia simples, fácil. Quando não concordava com ele, o homem colocava à prova a minha crença no que estava escrevendo, me chamando para a briga.

Seus livros me lembraram que aprender é um ato doloroso – ao contrário do hedonismo pedagógico que alguns pregam nestes primórdios da era digital. Nem sempre o que ele tinha a me dizer era legal ou se encaixava no que eu acreditava, como muitos esperam que devam ser o conhecimento e o aprendizado hoje.

Saber que o cara que escreveu tudo aquilo estava vivo e continuava defendendo seus pontos de vista "velhos", "ultrapassados" e "cheirando a mofo", mas – ainda assim – rebeldes, dava uma sensação de segurança neste mundo de acadêmicos de aluguel e discursos sem sentido, além do sentido que garantem a si mesmos.

Sentia-me protegido. Por isso, a notícia desta manhã foi, de certa forma, um choque. Um senhor de 95 não é nenhum moleque, é claro. Pô, mas logo ele? E agora?

Duvido que outro ocupe o seu lugar. Os tempos são outros. As pessoas também.

Certo mesmo é que, para alguns, a perda de uma das vozes mais críticas do século 20 vai deixar as madrugadas mais sombrias e vazias. Enquanto que, para outros, sem aquele chato comunista apontando o dedo, o mundo vai ser mais colorido e feliz.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.