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Leonardo Sakamoto

A ditadura da felicidade exige que 2012 tenha sido um ano bom

Leonardo Sakamoto

29/12/2012 17h40

– Meu ano foi in-crí-vel, baby! O melhor da minha vida! O seu também, né?
– Não, não foi não.
– Ué, mas por que você está triste?
– Mas eu não estou triste.
– Deprimido, né?
– Também não.
– Já sei! Mau humor, né?
– Não, acordei muito bem.
– Você adora ser do contra, né? Poxa, essa sua visão negra da vida destruiu meu dia.
– Negra, não. Use sombria.
– É por isso que as coisas não dão certo para você. Você atrai!
– Dão sim. Mas para você todos os anos são melhores que os anteriores?
– Você não evolui, não?
– Sim. Eu era um babuíno até 2011.
– Vai se danar.
– Mau humor… né?

Este foi um bom ano? Bem, para mim, em comparação com os últimos, não foi.

Problemas profissionais cabeludos, questões chatas de saúde, Palmeiras rebaixado… enfim, na balança das coisas tive uma translação do sol complicada. Isso é motivo para chorar no canto da sala e blasfemar contra as divindades da mitologia cristã? Nop. Mas também não sou obrigado a dizer que o ano foi lindo só para concordar com quem tenta me encaixar em uma ditadura da felicidade 24×7, alimentada por comerciais de TV que fazem você se sentir um lixo, um pária, um idiota sem alma se não concorda que 2012 foi o melhor ano da história. E que 2013 será mais feliz ainda – como se a felicidade fosse algo dado e não conquistado.

Vivemos o final do ano, momento em que se convencionou ser de balanço do último período. Por isso, a quantidade de pessoas que se assusta com uma análise negativa dita em público é grande. Parece que afirmar que este não foi um ano bom significa que tudo foi horrível e que rastejamos feito lesmas catatônicas até o som da rolha da sidra do dia 31 de dezembro. Claro que não! Aconteceram coisas maravilhosas, mas racionalizando – e na minha opinião – houve mais contras do que prós. É subjetivo? Claro! Só que tem gente que não entende isso e quer pasteurizar as experiências de vida.

Creio que muita gente se esforça para ver tudo de um ponto de vista cor-de-rosa, negando o que houve de ruim. E aí qualquer posicionamento mais crítico acaba sendo um ataque frontal ao mundo de fantasia criado para protegê-los de sua própria realidade. Quando se nega problemas, o crescimento que poderia decorrer da superação desse processo fica interditado.

Um conhecido ficou incomodado com uma mulher que chorava em público. "Ai, ela não podia fazer isso em outro lugar?" Se estivesse rindo, ele não se importaria tanto. Porque, em verdade, o problema não era ela, mas ele. E o esforço que ele fazia para ficar bem em sua vida complicada, com vergonha de que o mundo percebesse que as coisas não eram perfeitas.

Em outro momento, há alguns meses, quando atravessei a porta do desembarque no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, uma mulher destoava do clima festivo que permeia, por regra, os desembarques de aeroportos. Ela chorava em silêncio, provavelmente esperando alguém. Doeu ver a cena. Pois não eram lágrimas redentoras de quem imagina o que virá, mas um choro doído e sem contrastes de quem simplesmente não sabe.

Não olhou no relógio ou buscou as horas no celular. Não checou atrasos ou cancelamentos no painel luminoso. Não se importou com longos beijos dos casais, famílias que se abraçavam em roda ou manifestações de apreço de amigos antigos. Ficou agarrada à bolsa, como quem se entrega a uma boia, em dia revolto, depois de lançada ao mar. Vez ou outra, quando percebia que alguém a olhava, corria para enxugar as lágrimas com um lencinho amarelo, borrando de raspão a maquiagem.

Um bom tempo passou até que ela, resignada, se deu por vencida e foi embora. Tomei o meu rumo, logo em seguida, sem nunca saber o que ela esperava encontrar.

Muita gente reclamou, disse que deveria ter ido conversar com ela, ouvi-la, animá-la, fazê-la sorrir. O fato é que, às vezes, a gente simplesmente não quer sorrir. E sim viver determinado sentimento porque ele faz parte da existência ou ainda para poder superá-lo e não enterrá-lo nos descaminhos da memória. Isso sem contar que, não raro, nós temos as respostas para nós mesmos, bastando procurar em silêncio.

Quando devemos intervir e quando não? Não há gabarito. Quem vai dizer é sua sensibilidade no momento. Por isso, antes de querer fazer um "favor" a outra pessoa, pare e tente entendê-la. Somos condicionados a, diante de algumas situações, tentarmos "salvar" um semelhante. Mas quem disse que precisamos ser salvos?

Enfim, não é o último post do ano, mas já desejo um 2013 cheio de felicidade para você.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.