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Leonardo Sakamoto

Que tal o Comitê Olímpico destinar seus recursos para ajudar a Grécia?

Leonardo Sakamoto

17/01/2013 17h24

Não é de hoje que o Comitê Olímpico Brasileiro e o Comitê Olímpico Internacional afirmam ser proprietários da palavra "olimpíadas" e movem ações ou mandam cartas descabidas a quem quer que use o termo. De competições de ciências, matemática e história à presença em capas de livros, eles cobram e vigiam seus pretensos "direitos" sobre o uso. Justificam-se dizendo que seus avisos enviados a instituições de ensino que promovem "olimpíadas" têm um caráter educativo a fim de garantir que não haja destino comercial para a "marca".

De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, em carta aberta enviada a Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências classificaram esse tipo de ação como "despropositada". Há instituições de ensino que afirmam que continuarão usando o termo, quer os burocratas de comitês gostem ou não.

Fico imaginando se chegará o dia em que vou ser processado por falar de "soja" ou "algodão", por conta das patentes de organismos vivos geneticamente modificados feitos por algumas empresas do setor agrícola. Se há tempos que pagar royalties mesmo quando elas são plantadas por contaminação de sementes tradicionais, imagino que a cobrança por "uso de imagem" deve ser uma loucura mais próxima que imaginamos.

Ao saber da notícia sobre o COB, um amigo jornalista estava revoltado com a comercialização do "espírito olímpico". Mas que "espírito"? Só se for aquele a que Weber se referiu… Há muito os Jogos Olímpicos são um negócio e seus organizadores mercadores, que transformam até papel higiênico em artefato oficial da competição – talvez porque limpa mais rápido, mais alto e mais forte.

É um espetáculo comercializado e ponto. O mais irritante é que são os países e as cidades anfitriãs que arcam com todos os custos do circo, mas quem controla os direitos e os lucros sobre os símbolos relacionados são os comitês.

É chover no molhado, mas não me canso de pensar o quão pa-té-ti-co é termos comemorado o fardo de receber as Olimpíadas, com cenas ridículas de autoridades em prantos. Pior, brigamos por isso. "Ah, mas os ganhos dos jogos ficam para a população!" Será que somos tão idiotas que precisamos de um evento esportivo para melhorar a estrutura e a formação esportiva do país? "Ah, mas vai trazer ganhos com o comércio!" Pesquisas já mostraram que o Carnaval dá mais retorno do que poderá trazer os Jogos. "Ah, mas isso enche de orgulho o brasileiro, que vai mostrar ao mundo que também é importante." Putz, que dó do tal do brasileiro.

Enfim, o Coelhinho da Páscoa, o Papai Noel, o Saci Pererê e a Mulher de Branco prometeram que a população do Rio de Janeiro vai ganhar com as Olimpíadas mais do que se o montante de recursos fosse investido na cidade sem a realização dos Jogos. E que todos os envolvidos farão isso dentro do mais altivo interesse público, sem ganhar nada.

Os Jogos Olímpicos modernos são de 1896, após o Barão de Coubertin ter fundado o que hoje é o COI dois anos antes. Mas não me lembro de os gregos que lutavam, corriam e saltavam untados de azeite de oliva nos Jogos Olímpicos da Antiguidade, entre os século VIII a.C. a V d.C, terem registrado em cartório o uso do nome. Vocês terão que concordar comigo, entretanto, que cerca de 1300 anos de história são suficientes para dar o direito de um nome a alguém.

Sugiro, portanto, que todos os recursos captados pelo COI e pelos comitês olímpicos nacionais com o uso do termo "Olimpíadas" e similares sejam destinados para a Grécia. Os Comitês já possuem outras fontes de recursos, como os direitos de transmissão para a TV. Com menos dinheiro em jogo, talvez os Jogos pudessem ser mais simples e próximos de sua ideia original. Além do mais, o montante angariado poderia, por exemplo, aliviar o chicote sobre o lombo dos trabalhadores gregos, que estão tendo direitos defenestrados como receituário de combate de uma crise causada por uma visão enganosa de progresso. A mesma que parece ser perseguida pelos Jogos Olímpicos hoje.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.