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Leonardo Sakamoto

Maioridade penal aos seis. Afinal, nessa idade, eles já se vestem sozinhos

Leonardo Sakamoto

11/04/2013 16h48

Um dos maiores acertos de nosso sistema legal é que, pelo menos em teoria, protegemos os mais jovens – que ainda não completaram um ciclo de desenvolvimento mínimo, seja físico ou intelectual, a fim de poderem compreender as consequências de seus atos. Completar 18 anos não é uma coisa mágica, não significa que as pessoas já estão formadas e prontas para tudo ao apagarem as 18 velinhas. Mas é uma convenção baseada em alguns fundamentos biológicos e sociais. E, o importante, é que as pessoas se preparam para essa convenção e a sociedade se organiza para essa convenção.

Por necessidade individual e incapacidade coletiva de garantir que essa preparação ocorra de forma protegida, muita gente acaba empurrada para abraçar responsabilidades e emularem uma maturidade que elas não têm. Enfim, se tornam adultos sem ter base para isso.

Na prática, o Estado e a sociedade falham retumbantemente em garantir que o Estatuto da Criança e do Adolescente ou mesmo a Constituicão Federal sejam cumpridos. Entregamos muitos deles à sua própria sorte – sejam filhos de famílias pobres ou ricas. Porque encher o filho de brinquedos e fazer todas as suas vontades para compensar a ausência por conta de uma roda viva que vai nos tragando também é de uma infelicidade atroz.

O que fazer com um jovem que ceifa a vida de outro, afinal? Conheço a dor de perder alguém querido de forma estúpida pelas mãos de outro. O espírito de vingança, travestido de uma roupa bonita chamada Justiça, que foi incutido em mim pela sociedade desde pequeno, diz que essa pessoa tem que pagar. Para que aprenda e não faça novamente? Não. Para que sirva de exemplo aos demais? Não. Para retirá-lo do convívio social? Não. Para tentar diminuir a minha dor através da dor dele e da sua família? Não. Não há provas de que nada disso funcione, mas ele tem que pagar. Por que sempre foi assim, porque caso contrário o que fazer?

A Fundação Casa, do jeito que ela está, não reintegra, apenas destrói. A prisão, então, nem se fala. Também não acho que reduzir a maioridade penal para 16 anos vá resolver algo. Ele só vai aprender mais cedo a se profissionalizar no crime. E se jovens de 14 começarem a roubar e matar, podemos mudar a lei no futuro também. E daí se ousarem começar antes ainda, 12. E por que não dez, se fazem parte de quadrilhas? Aos oito já sabem empunhar uma arma. E, com seis, já se vestem sozinhos.

A resposta para isso não é fácil. Mas dói chegar à conclusão de que, se um jovem aperta um gatilho, fomos nós que levamos a arma até ele e a carregamos. Então, qual o quinhão de responsabilidade dele? E qual o nosso?

O certo é que ele irá levar isso a vida inteira – o que não é pouco – e nunca mais será o mesmo, para bem ou para mal. A sociedade está preparada para lidar com ele e outros jovens que cometem crimes, por conta própria ou influência de adultos?

Ou melhor, a sociedade quer realmente lidar com eles ou prefere jogá-los para baixo do tapete, escondendo os erros que, ao longo do tempo, ela mesma cometeu?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.