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Leonardo Sakamoto

93% de São Paulo quer a redução da maioridade penal. E daí?

Leonardo Sakamoto

17/04/2013 12h25

Uma pesquisa do Datafolha, divulgada nesta quarta (17), mostra que 93% dos moradores da capital paulista concordam com a diminuição da idade legal a partir da qual uma pessoa possa responder por seus crimes para 16 anos. Ao todo, 6% são contra e 1% não soube responder. Dos que são favoráveis à redução, 35% concorda que a idade seja rebaixada a uma faixa de 13 a 15 anos e 9% até 12 anos.

Confesso que fiquei surpreso. Não com os 93% – uma vez que a pesquisa aconteceu dias depois do assassinato de um jovem de 19 anos, durante um roubo de celular, por outro que estava a três dias de completar 18 e, portanto, não pode se imputado como maior de idade.  O que me surpreende, de verdade, é termos 6% de pessoas em São Paulo que não se deixaram levar pela histeria coletiva nesse momento de emoção a flor da pele. Se está entre os 6%, parabéns!

Ainda mais porque a morte do rapaz ganhou espaço nos veículos de comunicação e, portanto, o debate chegou às ruas, levando pessoas que não tinham opinião a formarem ao menos um pitaco e a se manifestarem. Essa opinião inicial ainda é carregada de achismo e de superficialidade. Com o tempo, mantendo-se o tema em foco (o mérito desse frenesi todo é exatamente esse), e ampliando a percepção de que a solução para crianças e adolescentes  que cometem crimes é mais profunda e complexa do que simplesmente jogá-los na cadeia e esquecer a chave em algum lugar, tenho a esperança (palavra que, mais dia, menos dia, será cassada por Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados), de que muita gente vai sair desse obscurantismo.

Em 2003, uma outra pesquisa Datafolha apontou que 83% apoiavam a redução da maioridade penal para 16 anos. Em 2006, eram 88%. Elas tinham margem de erro de dois pontos para cima e para baixo, enquanto que a de hoje possui margem de quatro pontos.

Se essas pesquisas fossem um gabarito, já teria sido reprovado retumbantemente como paulistano, uma vez que minhas posições pessoais são opostas àquelas apontadas como as da maioria da população por pesquisas sobre comportamento e direitos humanos. Se fosse aplicada uma série de provas para garantir a minha permanência na cidade que incluíssem direito ao aborto, adoção de crianças por pessoas do mesmo sexo, prisão perpétua, a manutenção do uso de drogas como crime (que só atrasa a solução do problema), seria provavelmente deportado.

Alvíssaras que as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a interpretação da Constituição Federal visando à garantia dos direitos fundamentais não são tomadas com base em pesquisas de opinião ou para onde sopra a opinião pública em determinado momento depois de um crime bárbaro. Afinal de contas, uma democracia verdadeira passa pelo respeito à vontade da maioria, desde que garantindo a dignidade das minorias. Até porque, como sabemos, a maioria pode ser avassaladoramente violenta.

Tem gente que acha bonito governar por plebiscito. Mas se não forem garantidos os direitos fundamentais das minorias (e quando digo "minoria", não estou falando de uma questão numérica mas, sim, do nível de direitos efetivados, o que faz das mulheres uma minoria no país), estaremos apenas criando mais uma ditadura. Como disse Oscar Wilde: "Há três tipos de déspotas. Aquele que tiraniza o corpo, aquele que tiraniza a alma e o que tiraniza, ao mesmo tempo, o corpo e a alma. O primeiro é chamado de príncipe, o segundo de papa e o terceiro de povo"…

Dizem que falta informação e por isso temos uma sociedade que pensa de forma tão tacanha. Mas isso não basta. Deve-se saber como trabalhar com essa informação que recebemos, refletir sobre ela. Entramos aqui na questão da consciência social, que não se aprende nos bancos de escola, mas no trato com a sociedade. O contato com o "outro", e com suas diferenças, contribui para fomentar essa consciência. Como decretar que uma criança ou um adolescente em conflito com a lei, abandonados pelo Estado e a sociedade, entregues à própria sorte, não tenham mais salvação?

A população, feito uma horda desgovernada, pede sangue neste momento. Olho por olho, dente por dente, para a felicidade de Hamurabi. Afinal de contas, aquele bando de assassinos da Fundação Casa deveria é ser transferido para a prisão e apodrecer por lá, não é mesmo?. Não importa que apenas 0,9% dos jovens internados na antiga Febem estão envolvidos com latrocínios. Se a gente diz que a culpa é deles, é porque alguma coisa fizeram de errado.

Como disse aqui, na semana passada, a Fundação Casa, do jeito que está, não reintegra, apenas destrói. A prisão, então, nem se fala. Também não acho que reduzir a maioridade penal para 16 anos vá resolver algo. Ele só vai aprender mais cedo a se profissionalizar no crime. E se jovens de 14 começarem a roubar e matar, podemos mudar a lei no futuro também. E daí se ousarem começar antes ainda, 12. E por que não dez, se fazem parte de quadrilhas? Aos oito já sabem empunhar uma arma. E, com seis, já se vestem sozinhos.

Um dos maiores acertos de nosso sistema legal é que, pelo menos em teoria, protegemos os mais jovens – que ainda não completaram um ciclo de desenvolvimento mínimo, seja físico ou intelectual, a fim de poderem compreender as consequências de seus atos. Completar 18 anos não é uma coisa mágica, não significa que as pessoas já estão formadas e prontas para tudo ao apagarem as 18 velinhas. Mas é uma convenção baseada em alguns fundamentos biológicos e sociais. E, o importante, é que as pessoas se preparam para essa convenção e a sociedade se organiza para essa convenção. Podemos mudar a convenção, mas isso não garante que a sociedade mude junto e se adapte a essa nova realidade. Pois o problema não é a idade, mas qual destino possibilitamos a esses jovens.

Ninguém está defendendo o crime, muito menos bandidos. O que está em jogo aqui é que tipo de sociedade estamos nos tornando ao defendermos a redução da maioridade penal. Decretamos a falência do Estado e a inviabilidade do futuro e assumimos o "cada um por si e o sobrenatural por todos"? Do que estamos abrindo mão ao pregar que as falhas na formação da juventude sejam corrigidas de uma forma que, como já ficou provado, não funciona, é apenas vingança?

De vez em quando não sei de quem tenho mais medo: dos bandidos, dos "mocinhos" ou de nós mesmos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.