Topo

Leonardo Sakamoto

É mais fácil dizer "chega" do que "nunca" para o consumismo

Leonardo Sakamoto

22/05/2013 23h59

Li uma boa reportagem em O Globo sobre jovens da classe média que decidem viver com menos, desapegando-se de bens materiais, não por carestia, mas guiados por uma decisão consciente.

Antes de mais nada, digo que concordo com qualquer decisão que vá na contramão do consumismo maluco em que a gente se enfiou como civilização e que nos levará para o buraco. Através de objetos, enlatamos a felicidade – pronta para consumo, mas que dura pouco. Porque, como os produtos que a representam, possui sua obsolescência programada para dar, daqui a pouco, mais dinheiro a alguém. Então, parabéns a esses jovens.

Mas tenho presenciado muitas pessoas criticando a camada da população que o governo resolveu politicamente chamar de "nova classe média" mas que nada mais é que os pobres de sempre, agora com o poder de consumo. "Será que eles não vêm que isso está comprometendo o futuro das próximas gerações?"

Sim, está. Mas o ponto é que não é culpa (detesto essa palavra, por demais cristã, desculpem) deles.

Os que têm dinheiro consumiram por gerações. Bem, vocês conhecem a história, esse debate tem pontos de semelhança com aquele que contrapõe, de um lado, países industrializados e, de outro, aqueles em processo de industrialização sobre o direito de poluir. O capitalismo nos Estados Unidos, Europa e Japão ajudou a colocar o termostato da grelha na posição "gratinar os idiotas lentamente" e a China, Índia, Brasil, entre outros, vão terminar o serviço, ajustando para "assar". Daí as discussões pesadas sobre mecanismos de compensação. Que, apropriados pelo mercado, como o comércio de carbono, dão dinheiro para algumas pessoas, sem – em minha opinião – frear radicalmente o processo em direção à danação.

O paralelo exato com o comportamento de países, contudo, não é possível. Para atravessar esse processo de industrialização, os Estados mais atrasados passam por cima de suas populações desfavorecidas – a relação pornográfica do Brasil com cimento e vergalhão é um exemplo.

A discussão deste post não é essa, porém, mas como mudanças de comportamento dependem muito da experiência material de cada um – o que não é novidade para quem leu o velho de barba.

É mais fácil dizer "não" para o consumismo se você brotou em um ambiente com sua presença ou nele viveu. É mais simples optar por uma vida sem nada, se você teve tudo à disposição ou é herdeiro de algo. Se experimentou, constatou, informou-se e, conscientemente, se afastou.

Estou julgando quem tem? Não. Só estou dizendo que nós, que recebemos muito mais que a maioria, estamos em uma situação privilegiada para adotar certos comportamentos. É fácil ser crítico tendo estado lá ou tendo uma rede de segurança. Difícil é não cair na incredulidade de Tomé.

Preciso colocar o dedo na tomada para levar choque? Também não. Esse processo pode ser resolvido através do debate, da discussão, da informação. Mostrar que, infelizmente, o mundo não aguenta mesmo e outro padrão de desenvolvimento e de comportamento se faz necessário – bem como buscar a realização pessoal através de "ser" e não de "ter". Isso inclui oferecer para essa camada social – que recebeu ordens para consumir loucamente pela felicidade, mas também pela pátria – uma inclusão por um bom transporte público, ao invés da cidadania pela compra de motos e carros de segunda mão.

A definição do que seja "necessário" pode ser bastante subjetiva, ainda mais que tornamos o excesso parte do dia-a-dia. É como não saber mais o que é real e o que é fantasia ou, pior, não ter ideia de como escolher entre o caminho irreal da felicidade e a via dura da abstinência.

É uma discussão lenta. E talvez nem tenhamos mais tempo para realiza-la e aplicá-la a tempo. Mas, de forma ditatorial, de cima para baixo, é que não vai funcionar mesmo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.