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Leonardo Sakamoto

Seus filhos vão provar o mundo. Cabe a você decidir: sozinhos ou acompanhados

Leonardo Sakamoto

04/06/2013 18h12

É claro que acho muito fim de feira um cinema colocar trailers de produções voltadas ao público adulto como prévia de um filme infantil. Os pais têm o direito de saber o que vai passar na tela para que possam levar ou não seus filhos e filhas. Temos um Código de Defesa do Consumidor com 22 anos de idade que ainda é desrespeitado de forma sistemática, principalmente no que diz respeito ao direito mais básico que é o de acesso à informação.

Pronto, ressalva feita.

Dito isso, não entendo a revolta de alguns comentários que circulam pela internet à respeito (#classemediasofre), em torrente desproporcional ao ocorrido em um cinema da capital paulista. Pois uma exposição eventual a cenas mais fortes não é, nem de perto, tão danoso quanto assistir diariamente a um programa jornalístico (sic) que cobre a ação da polícia. Se fosse obrigado a escolher, preferiria meus afilhados vendo trailers do "Último Tango em Paris" do que se viciando em programas policiais na TV.

Isso me lembra uma história. Quando era pequeno, recebi o desenho de um palhaço em uma folha de papel para colorir na escola. Pintei o dito e – Freud explica – desenhei um órgão genital (completo) do rapaz. Preocupada com minha formação, na melhor das intenções, a escola chamou minha mãe para uma conversa com a diretoria. O que não esperavam é que ela ficasse irritada com o fato de ter sido chamada só por conta do filho de seis anos, que não via em um pênis o mesmo significado que os adultos enxergavam, desenhar aquilo que ele tinha entre as pernas.

A discussão sobre a sexualização precoce da criançada é importantíssimo. Das propagandas sacanas passadas através de alguns comerciais de TV até o desserviço horroroso que parte do jornalismo faz ao alimentar isso – entrevistando, acriticamente, meninas de oito anos que resolveram comprar um roupa colada porque isso "realça as minhas formas" – há muita coisa a ser debatida sobre o tipo de sociedade que estamos gestando. Sociedade que, na ânsia de empurrar a garotada para o consumo, acaba tratando-os como aquilo que eles ainda não são, com mensagens que eles não estão prontos para digerir.

Por outro lado, há uma paranoia seletiva que também merece atenção. Há pais que se desesperam em cinemas, querendo impor restrições, mas não se importam com o que acontece nesses programas de TV "espreme-que-sai-sangue", considerando que apenas mostram fatos reais, desconsiderando a interpretação de mundo presente nesses discursos. Ou, melhor ainda, esquecem a internet.

Sei que, em última instância, isso depende de como preparamos os mais jovens para absorver o mundo. E não é qualquer educação que faz frente ao desafio de chamar e manter a atenção. Logo de cara, é bom que os pais e mães saibam que já saem em desvantagem para as mídias eletrônicas e digitais porque não se transformam, como um Ben 10, nem piscam, como o Pikachu, ou são carismáticos, feito o Bob Esponja.

A verdade é que seus filhos e filhas vão experimentar álcool antes do que imaginam. Muitos provarão tabaco cedo demais. Sem contar os outros tantos que vão acender um beque para matar a curiosidade, furar o medo e ir na contramão do proibido. E, querendo vocês ou não, eles e elas, em algum momento, vão descobrir diversas formas de prazer físico. E não necessariamente com parceiros do mesmo sexo.

A pergunta é como eles farão isso. Com os pais ignorando o mundo que existe à sua volta ou acompanhando-o na descoberta?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.