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Leonardo Sakamoto

Satisfeito por ter sido reprovado novamente como brasileiro

Leonardo Sakamoto

11/06/2013 18h43

Saiu pesquisa nova sobre a opinião do brasileiro em temas considerados polêmicos. Divulgada nesta terça (11), ela foi encomendada pela Confederação Nacional dos Transportes, em conjunto com o Instituto MDA.

Tenho o orgulho de informar que, se considerarmos essa pesquisa como um gabarito,  fui "reprovado" como brasileiro.  Mais uma vez, porque não foi a primeira pesquisa, nem será a última em que isso deve acontecer. Alguns dos meus leitores engraçados vão dizer "ótimo, mude-se para Cuba ou para a Coreia do Norte". E respondo de pronto que não dá, porque lá não tem Apple Store.

Bora lá checar os resultados:

92,7% dos brasileiros defendem a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Outros 6,3% são contra e 0,9% não fazem ideia.

E quem disse que São Paulo não é um pedacinho do Brasil? Uma pesquisa do Datafolha, divulgada em abril, apontou que 93% dos paulistanos concordava com a diminuição para 16 anos, com 6% contra.

Novamente, o que me surpreende e me dá esperança é que somos 6%! É muito se considerarmos o bombardeio reacionário nosso de cada dia, a nossa formação, a falta de informação, o discurso fácil das saídas simples, a herança autoritária, enfim.

Ninguém está defendendo o crime, muito menos bandidos. O que está em jogo aqui é como melhor combater a violência. E não acho que reduzir a idade mínima para mandar alguém para a cadeia seja a solução. Decretamos a falência do Estado e a inviabilidade do futuro e assumimos o "cada um por si e o sobrenatural por todos"?

Como já discuti aqui, completar 18 anos não é uma coisa mágica, não significa que as pessoas já estão formadas e prontas para tudo. Mas é uma convenção baseada em alguns fundamentos biológicos e sociais. E, o importante, é que as pessoas se preparam para essa convenção e a sociedade se organiza para essa convenção. Ou deveríamos prepará-las. Podemos mudar a convenção, mas isso não garante que a sociedade mude junto e se adapte a essa nova realidade. Pois o problema não é a idade, mas qual destino possibilitamos a esses jovens.

54,2% é contra uma lei que permitisse o casamento de pessoas do mesmo sexo, enquanto que 37,2% são a favor e 8,3% não tem opinião formada a respeito.

Estou com o segundo grupo. No que pese que, após decisão do Conselho Nacional de Justiça, autorizando a realização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo pelos cartórios, uma lei como essa não se faz necessária na prática. Mas, se Deus existe, ele deve sentir uma dó louca esse povo doido que se preocupa com quem os outros se deitam. Como já disse anteriormente, aliás, a melhor concepção de Deus seria uma mulher lésbica e negra.

49,5% dos entrevistados afirmaram que casais do mesmo sexo não deveriam ter o direito de adotar uma criança, enquanto que 43,5% dizem que sim, eles têm o direito. E 7% não soube opinar.

"Ah, imagina o tipo de exemplo que pais gays ou lésbicas dão aos filhos" Eu juro que nunca entendi essa frase. Exemplo de quê? Honestidade? Dedicação aos estudos? Time de futebol? O que faz uma família não é a união de um pênis e de uma vagina até porque os pais não vão usar nem o pênis, nem a vagina na educação dos filhos. Pelo menos eu espero que não.

Muita gente vive encastelada em sua ignorância. O contato com o "outro", e com suas diferenças, contribui para que entendamos a beleza que tem a diversidade. Coisa que não é fomentada através do filtro dos jornais e das lentes de TVs, mas pelo diálogo direto. Só dessa forma poderemos entender as razões e paixões desse outro. E se, mesmo assim, não concordarmos com o outro, podemos, ao menos, ser tolerantes. E aceitar que as pessoas têm direito à própria vida, ao próprio corpo, a filhos, e que não é com uma sociedade ditatorial e sumária que se resolverão os problemas.

Dizem que falta informação e por isso temos uma sociedade que pensa de forma tão conservadora. Mas informação não basta, caso contrário os mais escolarizados teriam objetivamente um comportamento mais aberto aos direitos sociais e humanos do que apontou a pesquisa. Essa opinião inicial, baseada em informações bombardeadas, ainda é carregada de achismo e de superficialidades.

Deve-se saber como trabalhar com essa informação que recebemos, refletir sobre ela. Entramos aqui na questão da consciência social, que não se aprende nos bancos de escola, mas no trato com a sociedade.

E como já disse antes, ainda bem que as decisões do STF sobre a interpretação da Constituição Federal visando à garantia de direitos não são tomadas com base em pesquisas de opinião ou usando uma biruta que aponte para onde sopra a opinião pública em determinado momento. Afinal de contas, uma democracia verdadeira passa por seguir as decisões da maioria, desde que se respeite a dignidade das minorias.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.