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Leonardo Sakamoto

Tem medo de fazer política? Então, pede para sair

Leonardo Sakamoto

11/07/2013 18h22

"Fascistas, fascistas! Corram para as montanhas!" Não sei o que é mais triste. Se a meia dúzia de membros da extrema direita afirmando que representam a opinião de toda a população brasileira em pequenos flashmobs que defendem a volta dos verde-olivas ou algumas pessoas de esquerda que ainda me enviam mensagens perguntando o que fazer para evitar o golpe de Estado iminente. Geeeeeeente… Se tá faltando o que fazer, tô cheio de fita de entrevista para decupar aqui.

"Ah, Sakamoto! Você é muito ingênuo. Há um plano visando às eleições de 2014." Pô, o estranho seria se não houvesse. A oposição partidária no Brasil é tão competente que precisou pegar carona nas manifestações que tomaram conta do país, buscando dar a elas um novo significado para poder garantir um rumo a si mesma. Agora, quer desidratar o grupo que está no poder visando às eleições, claro. O problema é que, a menos que algo de muito diferente ocorra, a oposição não vai conseguir convocar grandes manifestações por conta própria, aproveitando-se inercialmente de outras.

Lembrando, é claro, que a oposição em nível federal é situação em outros estados, onde, ela mesma, desidratou. Uma vez que a revolta não foi necessariamente contra um partido X ou Y, mas visando a instituições tradicionais que representam autoridade. Os repórteres da TV Globo, que tem um peso gigante em nossa construção simbólica, não estavam conseguindo nem usar o prisma com a marca da emissora na cobertura. O pobre do Caco Barcellos, que fez muito por nosso jornalismo e pela efetivação dos direitos humanos no Brasil, por exemplo, foi alvo da fúria incontrolável de turbas na Praça da Sé tendo que se refugiar em uma padaria. Que dirá então os políticos que, ao invés desse currículo, têm uma extensa "capivara"?

Enquanto isso, parte dos que apoiam o PT parece esquecer o que significa "disputa política". Alucinados, deixam de lado o rivotril em nome do pânico.

Talvez por estarem acomodados e, feito Narciso diante de um lago espelhado, amem-se demais. Mas, ao mesmo tempo, parte dos movimentos sociais tradicionais, que acreditam no pessoal que, hoje, está no poder e sempre lhes deu suporte, estão mais fracos, – seja devido à sua proximidade com o poder, seja pela proximidade do poder com os mesmos grupos conservadores, que governam o país desde que o trovadorismo era moda, e defendem pautas antagônicas desses mesmos movimentos sociais.

No meio do caminho, um mar de gente, plural, diversa, díspare. Dos filhos do neoliberalismo-branco-São-Paulo-é-o-meu-país até a molecada da periferia, que está descobrindo pelo computador que o mundo é grande, mas não é deles. De ambos os lados, há conservadorismo. Mas, como já disse aqui, esse conservadorismo não é necessariamente fruto da reflexão, mas incutido (pela família e outras instituições) ou derivado do medo de perder o pouco que se conseguiu comprar em um contexto de "cidadania pelo consumo" – criada pelo próprio lulismo.

Pedi, na minha página no Facebook, para me enviarem imagens de manifestantes carregando cartazes preconceituosos, reacionários, violentos. Tive mais de 300 respostas, das quais separei as fotografias abaixo (valeu, pessoal!). Eles são esquisitos, do mesmo naipe que os comentários sistematicamente postados na área de comentários deste blog ou que daquilo que leio, diariamente no Facebook ou Twitter. E não é porque criticam este ou aquele político, mas porque são forjadas na mais completa falta de noção.

O simpatizantes do PSDB cansaram de ouvir "Fora já, fora já daqui. Fora, FHC e o FMI". Você pode não concordar, mas não há problema nenhum no fato de, hoje, também serem ouvidos gritos de "Fora, Dilma". Faz parte do que convencionamos chamar de democracia. O incômodo, portanto, não é a crítica, bem humorada, irônica ou cínica, mas a maneira de fazê-la. De forma estabanada, feito um "Joselito".

Ou seja, quando alguém não percebe que perdeu a proteção do anonimato das redes sociais (ou dos ambientes controlados em que ele/ela é rei ou rainha) e vai para rua esquecendo algumas regras básicas de convivência social, empunhando um cartaz que o expõe como ridículo.

Um amigo, com o qual tenho divergências políticas mil, de posição bastante conservadora e que trabalha em um grande jornal de São Paulo, também me confessou paúra diante da situação. Ele disse que estava com o sentimento de vergonha alheia em alta diante de algumas pessoas que – finalmente – descobriram a vida pública, mas foram às rua como um elefante em sala de cristais, atropelando o bom senso e a dignidade no meio do caminho. "Será que ninguém explicou a elas que ser grosseiro não significa ser contundente?"

Creio que alguns dos autores de cartazes estranhos pertencentes à direita organizada querem realmente reeditar a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, têm saudades doidas da ditadura ou acreditam naquelas coisas de raça superiora. Em São Paulo, esse povo é violento, mas numericamente pequeno.

Na multidão, encontrei muita gente que repetia ideias sem refletir o que elas realmente significam. Que acha normal falar dessa forma porque na internet (onde ninguém se machuca fisicamente), é assim que funciona. Vejo, nessas fotos selecionadas, um vazio imenso, ora preenchido pelos discursos simples e confortáveis empacotados pela família, igreja, escola, mídia, ora preenchido pelo consumo. Discursos que esvaziam mais do que alimentam.

Diante disso, uma humilde sugestão. Quem não virar as costas para esse pessoal precariamente formado e porcamente informado, neste momento, terá mais chance de ver a sua narrativa respeitada nesse admirável (e assustador) mundo novo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.