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Leonardo Sakamoto

Estagiários aprendem muito. Aprendem a explorar como foram explorados

Leonardo Sakamoto

18/07/2013 16h14

É com afinco que alguns grandes escritórios de advocacia têm ido a público defender mudanças na legislação trabalhista em benefício de seus clientes empresariais e em detrimento à massa de trabalhadores. Neste momento, a meta é a legalização da terceirização da atividade-fim e afastar o risco de responsabilização solidária dos contratadores de serviços terceirizados em caso de flagrantes de irregularidades.

Tempos atrás um programador norte-americano terceirizou para uma empresa chinesa o próprio trabalho, pagando um quinto do seu salário, enquanto passava o dia curtindo posts e retuitando a vida. Ganhava centenas de milhares de dólares anuais, seu trabalho era considerado excelente e a performance tida como a melhor de todo o escritório.

O espertinho norte-americano, que não trabalharia mais para a empresa, estava simplesmente colocando em prática o que o bizarro sistema produtivo de seu país lhe ensinou desde pequeno: uma sociedade que impeça o lucro é ruim.

Tendo isso em vista, proponho que os escritórios também ajudem a derrubarmos algumas antigas barreiras. Como o Provimento 91 da Ordem dos Advogados do Brasil, que determina que bancas estrangeiras possam atuar no país apenas para prestar a consultoria e desde que não tratem do direito brasileiro. Na prática, isso as impede de advogar e impõe que atuem em parceria com escritórios nacionais. Ou seja, uma vil reserva de mercado. Que não combina com os novos tempos de flexibilização do mercado de trabalho e mundo globalizado, não é mesmo?

E olha que nem estou falado em derrubar a necessidade de validação do diploma e de fazer o exame da ordem.

Isso não aumentaria a terceirização nos megaescritórios, uma vez que boa parte dos advogados já trabalham como pessoas jurídicas. Porque, afinal de contas, são sócios, mesmo que vivam do pro labore e não de sua cota na divisão de lucros.

Particularmente, não quero uma sociedade em que um estagiário de direito (ou de jornalismo) saia da faculdade às 22h e volte correndo para o escritório, mesmo tendo trabalhado o dia inteiro, a fim de ganhar uma merreca no final do mês e poder dizer, de boca cheia, que aprendeu. Aprendeu a explorar outra pessoa no futuro.

Todos têm direito a uma defesa justa.

Mas vendo como alguns argumentos são feitos para destruir direitos que demoramos décadas para construir, ainda me perco sonhando com uma sociedade de trabalhadores. Não de castas de autômatos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.