Topo

Leonardo Sakamoto

Blogueira famosa dá "carteirada" todo dia e o mundo bate palma

Leonardo Sakamoto

01/08/2013 09h21

As redes sociais atazanaram uma jovem blogueira por conta de uma atitude considerada por muitos como "carteirada": tentar entrar em uma balada sem enfrentar a fila, para checar se ela estava animada, sob a justificativa de que era parceria da revista Capricho, e demais reclamar no Facebook por ter sido impedida de entrar. O comportamento fez com que um rosário de críticas se desfiasse, pela internet, malhando a moça de 20 anos, que toca a página "Unicórnios Radioativos".

Eu poderia passar horas discutindo como tentar furar uma fila sob justificativas como essa se assemelham ao "vocês sabe com quem está falando?", que carrega séculos de nossa formação, lembrando que uns podem ser melhores que outros falam, que igualdade de direitos é um discurso fofo que se dobra às necessidades individuais e que, apesar de não sermos uma sociedade de castas, por aqui, cada um deve saber onde fica seu quadrado.

Em grande escala, para além do âmbito individual, essa ausência da cultura da alteridade leva ao medo e colabora com comportamentos e frases bizarras, revelando o lado mais sombrio da alma de cada um. Não se espera que os mais "mais iguais" passem a defender que os "menos iguais" – adoro eufemismos – tenham os mesmos direitos que eles (é o sistema, estúpido!), mas, pelo menos, que concordem em um quinhão mínimo de direitos. Um combo popular de acesso ao Estado, digamos assim. O que permitiria a convivência pacífica.

Mas não vou por esse caminho.

O que ocorreu nesse caso, provavelmente por imaturidade da envolvida, pode ser passível de críticas. Mas, com raras exceções, não vejo a mesma virulência da massa virtual ou da maioria dos colegas da imprensa para atingir as matilhas de blogueiras de moda jabazeiras, que entram e saem de festas como querem e quando querem e têm seus festejos de casamentos, baladas de aniversários e batizados de cachorros pagos pelas mesmas empresas que depois aparecem sendo louvadas em seus blogs. Pelo contrário, muitas das pessoas que criticaram a ação da blogueira são as mesmas que seguem e adoram as dicas e sugestões desse pessoal que chama jabá de mimo.

Retirado do sarcástico "Shame on you, blogueira!" (http://blogueirashame.blogspot.com.br)

Não é de hoje que colegas que atuam na área arrancam os cabelos ao contar histórias de gente que, em troca de viagens, mordomias, produtos ou do velho e bom dindim, elevam esterco à categoria de produtos de qualidade internacional. Há quem faça qualquer negócio – até porque não se preocupa com o interesse público, mas com sua imagem e conta bancária.

Perto delas, o ato da blogueira da entrada da balada é mirim. Mas não vi, até agora, a mesma ira destinada às outras. Pelo contrário, se fizerem a mesma coisa, muita gente vai dar um sorrisinho e pensar "nossa, ela é demais!".

Não estou a defendendo a mocinha supracitada, longe disso. A internet é útil para se promover, contudo, é uma faca de dois gumes, corta dos dois lados, levanta e derruba. Quem joga o jogo tem que saber disso.

Mas o Brasil é divertido. Adora massacrar quem é pequeno e baixar a cabeça para o comportamento de grandes. Talvez porque os grandes estão distantes, um sonho. E os menores estão por demais próximos de nós. Os deuses podem fazer o que querem. Mas não os mortais! Esses têm que ter os mesmos direitos que eu.

Ah, isso está mudando com as manifestações. Não, não tá não. Ainda não. Mirou-se a política. É necessário mirar a economia. Mas isso é assunto para outro post.

O problema de falar sobre esses assuntos, é que ele é um novelo de lã cheio de fios soltos para puxar. Tempos atrás, como trouxe neste blog, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) analisou a denúncia de que blogueiras que cobrem moda teriam recebido para promover cosméticos de uma loja francesa.

Vender produto publicitário como jornalístico para tentar se valer da suposta credibilidade da profissão é o fim da picada, o ó do borogodó, a xepa. Vender-se, então, é pior ainda.

Descontados os casos de falta de ética crônica de colegas que se dizem independentes mas que trabalham a soldo de governos e partidos ou de anunciantes empresariais nacionais ou estrangeiros, alugando o seu ponto de vista, temos casos tragicômicos no varejo.

Casos reais como os de colunistas sociais que ganham carros importados e pedem para trocá-los por blindados para falar bem do lançamento do possante. Chefes de redação que acertam com empresas de turismo pacotes para eles, os filhos e os sobrinhos poderem ir à Disney antes de autorizar a publicação de matéria elogiosa para a referida empresa. Editores que, para escrever sobre barcos, ganham barcos de presente. Gente que recebe uma fortuna para tuitar a favor de algo, mas "esquece" de avisar o leitor disso e depois reclama quanto é criticada. Dizem que têm que sobreviver de alguma forma.

Os códigos de conduta das redações normalmente mandam devolver "presentes" de grande monta, o que nem sempre ocorre, pois isso são histórias que vivem penumbra. E nos veículos em que o respeito ao leitor depende da reflexão do indivíduo alçado, justamente, ao papel de jornalista pela internet? "Ah, mas eu iria elogiar de qualquer jeito aquela marca que é boa, Saka!" Pode até ser, mas agora que você aceitou o mimo, nunca saberemos.

Como já disse anteriormente, ter um diploma em jornalismo não significa exercer a profissão com mais ou menos ética – considerando que a maioria de nós, que fazemos grandes besteiras, frequentamos faculdades. Mas somos legalmente e socialmente responsáveis por aquilo que veiculamos (soa meio Pequeno Príncipe, mas é verdade). Portanto espaços de discussão da profissão, para aprendermos com nossos erros e entendermos o potencial de impactos de nossas ações, são mais do que necessários. Pode ser um auditório universitário cheirando a banho tomado. Ou um boteco fuleiro rodeado de amigos que trocam suas experiências cheirando a torresmo à milanesa.

É papel de uma marca tentar melhorar sua imagem. Mas é dever de quem assume o papel de jornalista não deixar ser usado como escadinha ou lava-rápido da reputação alheia.

(O que assusta muita gente, contudo, é que ainda existam aqueles que não estão à venda…)

Por fim, há uma outra discussão mal resolvida envolvendo esse ponto. Blogueiro pode ou não ser considerado jornalista e ter as mesmas prerrogativas, como conseguir acesso prioritário a determinados locais para uma cobertura que vá socializar a informação? Eu tenho certeza que sim, muita gente defende que não.

Mas precisamos resolver alguns entraves. Neste admirável mundo novo em que todos podem ser profissionais de mídia e ter seus próprios veículos de comunicação, como vamos universalizar o direito ao sigilo de fontes na legislação, por exemplo? Vale para todo mundo? Se valer, isso pode ser usado para encobrir falcatruas comerciais de qualquer um que crie um blog de fachada?

A discussão é longa. Sobre o caso específico, alguns ainda vão ponderar: "ah, mas se o cara não for jornalista de um veículo reconhecido, vai tentar entrar na balada sem pagar para se divertir e não para trabalhar".

Ora! E não tem jornalista que também não faz isso hoje?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.