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Leonardo Sakamoto

O jornalismo, como o capitalismo, sabe bem se reinventar

Leonardo Sakamoto

15/08/2013 05h39

Manifestação desta quarta (14), sob uma friaca louca e chuvosa, no Centro de São Paulo. Antes, tinha medo de pombo. Hoje, de drone. Foto Leonardo Sakamoto

Os veículos de comunicação tradicionais estão incorporando técnicas e tecnologias utilizadas por iniciativas alternativas na cobertura das manifestações de rua, como a Mídia Ninja e outros grupos que transmitem em tempo real pela rede. E não estou apenas falando do uso do Google Glass, pela Folha de S. Paulo, na manifestação desta quarta (14) na capital paulista – convocada pelos metroviários e pelo Movimento Passe Livre contra o escândalo do cartel dos trens do governo estadual. Pipocam aqui e ali repórteres de veículos tradicionais usando celulares para transmissões em tempo real pelo país, causando um impacto menor que grandes câmeras de vídeo.

É claro que a popularização de tecnologias da comunicação está mudando em definitivo a cara do jornalismo (putz, acho que já escrevi essa frase um zilhão de vezes por aqui). A possibilidade de qualquer um se tornar um centro de transmissão de notícias dá aquele chega-pra-lá em quem se sentia intocável como único mediador de informação para a sociedade. O que é ótimo. Quanto mais narrativas individuais ou de grupos para compor a grande narrativa da contemporaneidade, melhor.

Mas é interessante o quanto o jornalismo moderno, como fruto do capitalismo, sabe muito bem se reinventar. Daí, é muito difícil fazer uma previsão correta sobre o seu futuro. Ou decretar o falecimento imediato do modelo de negócios vigente.

(Estamos quase anunciando a morte por inanição do emprego de jornalista, mas isso é uma outra – triste – história.)

Capitalismo, aliás, que possui uma grande capacidade de regeneração, assimilando realidades exteriores e ressignificando-as ao seu próprio benefício. Adaptabilidade, vulgo transformar limão em limonada.

Além do mais, inovações significam uma vantagem comparativa para determinado grupo pioneiro até que o desenvolvimento tecnológico e social que ele utilizou possa ser reproduzido e assimilado pelos demais – já dizia o meu barbudo predileto. Daí, o que era novo passa a ser comum, forçando o grupo pioneiro a se reinventar mais uma vez ou ser devorado por quem se apropriou do processo.

Não é de hoje que veículos do jornalismo tradicional passam a utilizar experiências testadas pela mídia alternativa, que acaba, paradoxalmente, tendo um papel importante no desenvolvimento desse jornalismo tradicional. Ajudando a reinventar e, portanto, a manter, um modelo que sistematicamente questiona.

O grande desafio do jornalismo não será apenas o de transmitir discursos, mas o de refletir sobre eles. Não estou falando do trabalho de curadoria, que será fundamental para ajudar o leitor a encontrar o que é relevante e o que não é nesse oceano de informação. Mas o de reunir quatro, cinco, seis discursos contraditórios sobre um mesmo assunto, analisá-los e construir uma narrativa que faça sentido para o cidadão Esse trabalho de reflexão, sobre uma pauta, sobre o nosso tempo, é fundamental para a democracia e a sociedade.

Quem conseguir criar um formato interessante para essa reflexão, que não seja os padrões modorrentos e chatos de sempre, conquistará os corações de uma enorme massa de jovens despolitizados que fluiu para as ruas nas jornadas de junho. Que está insatisfeita e indignada, mas não sabe muito bem por onde começar. Nem detém informação para tanto.

Pena que o esquema fordista (ou toyotista, como queiram) da produção jornalística convencional nos afasta exatamente da reflexão aprofundada. Sobre o mundo, sobre nós mesmos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.