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Leonardo Sakamoto

Na Augusta, um parque a ser criado. No Butantã, um que vive fechado

Leonardo Sakamoto

18/08/2013 09h46

Aproveitando a pertinente demanda popular pela desapropriação de uma área verde na rua Augusta, Centro de São Paulo, para a criação de um parque, enterrando os planos da iniciativa privada de emparedar concreto por lá, vale ressaltar que a "concentração de verde" na mão de poucos por aqui é absurda. Alguns moradores têm latifúndios de verde enquanto outros apenas um triste e monótono ocre.

Talvez uma das mais gritantes situações esteja no campus da Universidade de São Paulo na Zona Oeste da cidade

Aprendi a andar de bicicleta naquele local, localizado no bairro do Butantã. Para quem não conhece a Paulicéia, a USP possui uma imensa área verde, com praças e gramadões, enfim, um respiro na poluída e maltratada metrópole.

Assim como eu, muitos paulistanos, ricos e pobres, usavam a área para fazer um piquenique no final de semana, empinar pipa, jogar um futebolzinho ou aquela partida de taco, namorar, caminhar, tai-chi, correr atrás do próprio rabo, enfim, viver. Em outros tempos, era considerado um respeitado espaço cultural e de lazer tão importante quanto parques como o Ibirapuera ou o Carmo, com shows musicais e atividades esportivas. Sob a justificativa de garantir a segurança de salas de aula, laboratórios e escritórios, a reitoria da universidade restringiu o acesso do campus aos domingos. É aquela velha coisa, patrimônio tem mais direitos que gente. Um muro foi erguido em volta que, como outros muros da capital, representam bem mais que um punhado de aço e concreto.

Os cidadãos que não têm acordos de uso do campus ou não são parte da comunidade de estudantes, professores e funcionários acabam não podendo usufruir desse espaço público entre a tarde de sábado e o domingo – logo no momento em que teriam para descansar de uma semana de trabalho.

Sempre ouço da boca de defensores de uma USP asséptica e árcade aos finais de semana que falta pessoal para garantir a integridade das coisas. E de que aquilo não é um local para se "divertir" e sim para "estudar" e "pesquisar". Fantástico como cismam em manter essas três palavras separadas, não é? Depois perguntam porque tem gente com ojeriza à educação como ela é.

Passei quase 15 anos da minha vida na USP, seja estudando, pesquisando, dando aula, atuando em projetos de extensão universitária e nunca engoli essa história. Contratem mais gente para garantir o "patrimônio", mude-se a visão do que é a USP e a quem ela pertence. Caso contrário, a universidade continuará depondo contra o maior patrimônio de um país, que é a dignidade e felicidade de sua população – o que inclui o sagrado direito ao descanso e ao lazer. Mantida com uma parcela do ICMS que todos pagam, inclusive o pessoal mais pobre dos bairros do entorno.

Simbolicamente, é uma causa tão importante quanto a da Augusta. Mas a quem interessa?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.