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Leonardo Sakamoto

Se ouvir "Eu não sou preconceituoso, mas...", corra para longe

Leonardo Sakamoto

01/09/2013 09h15

Eu não sou preconceituoso, mas…

Esta frase é deliciosa. Não é um aviso de "olha, não encare isso como preconceito", mas um alerta. Do tipo "segura, que lá vem um preconceito". A ressalva, completamente inútil, serve, pelo contrário, para reforçar que a pessoa em questão é exatamente aquilo pelo qual não gostaria de ser tomada.

Cultivamos nosso medo e ódio, mas, às vezes, pega mal expressá-los em público assim, tão abertamente. Porque pode ser visto como crime ou delito. Ou ser alvo de críticas  – mesmo que os críticos compartilhem da mesma visão de mundo. E, além do mais, como todos sabemos, o Brasil é o país da alegre miscigenação, em que todos são considerados iguais em direitos. Os que discordam disso devem se mudar ou levar um corretivo para deixarem de serem bestas. É isso: ame-o ou deixe-o.

É engraçado como o preconceituoso não se vê como tal. Quem solta um "Eu não sou preconceituoso, mas…" separa essa palavra de seu significado e pensa o preconceito como algo abstrato, etéreo. Uma ideia que não teria nada a ver com tratar pessoas de forma diferente ou fazer um julgamento prévio de seu caráter devido à sua classe social, orientação sexual, cor de pele, etnia, nacionalidade, identidade de gênero, pela presença de alguma deficiência e por aí vai.

Dizem que falta informação e, por isso, temos uma sociedade que pensa de forma tão tacanha. Que não temos contato com o "outro" e, portanto, continuamos a temê-lo e a achar que ele é um risco à nossa existência. Conscientizar sobre isso passa por estimular a vivência comum na sociedade, pela tentativa do conhecimento do outro. Tolerância é bom. Porém, legal mesmo não é apenas tolerar, mas acreditar que as diferenças tornam o mundo mais interessante e rico do que uma monotonia monocromática a que estamos subjugados pela religião, pela tradição, pelo preconceito…

E cabe tanta abobrinha em um "Eu não sou preconceituoso, mas…" que ele se tornou o novo "Amar é…", presente naqueles livrinhos simpáticos da minha infância.

Duvida?

Eu não sou preconceituoso, mas bandido bom é bandido morto.

Eu não sou preconceituoso, mas baiano é foda. Quando não faz na entrada faz na saída.

Eu não sou preconceituoso, mas mulher no volante é um perigo.

Eu não sou preconceituoso, mas tenho medo desses escurinhos mal encarados qe pedem dinheiro no semáforo.

Eu não sou preconceituoso, mas cigano é tudo vagabundo.

Eu não sou preconceituoso, mas os gays podiam não se beijar em público. Assim, eles atraem a violência para eles.

Eu não sou preconceituoso, mas acho o ó ter um terreiro de macumba na nossa rua.

Eu não sou preconceituoso, mas é aquela coisa: não estudou, vira lixeiro.

Eu não sou preconceituoso, mas não gostaria de ver minha filha casada com um negro. Não por ele, é claro, mas eles sofreriam muito preconceito.

Eu não sou preconceituoso, mas esses sem-teto são todos vagabundos.

Eu não sou preconceituoso, mas chega de terra para índio, né? Se eles ainda produzissem para o país, mas nem isso acontece.

Eu não sou preconceituoso, mas esses mendigos deviam ir para a periferia onde não incomodariam ninguém.

Eu não sou preconceituoso, mas sabe como é esse pessoal de esquerda. É tudo petralha.

Eu não sou preconceituoso, mas sabe como é pessoal da direito. É tudo tucanalha.

Eu não sou preconceituoso, mas São Paulo é São Paulo, né amiga? Não é Fortaleza.

Eu não sou preconceituoso, mas esse aeroporto tá parecendo uma rodoviária.

Eu não sou preconceituoso, mas adoro esse shopping. Só tem gente bonita por aqui.

Eu não sou preconceituoso, mas sobe o vidro, amor. Você não tá nos Jardins.

Eu não sou preconceituosa, mas vocês não acham que essas médicas cubanas têm cara de empregada doméstica?

Cuidado, seja sutil. Preconceito é para ser dito, repetido e aplicado, mas com naturalidade. Diluído no dia a dia, aparece como uma forma de manter a ordem das coisas e de lembrar quem manda. E quem obedece.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.