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Leonardo Sakamoto

Sardinha de lata, se pegasse metrô em SP, ficaria magoada

Leonardo Sakamoto

05/09/2013 01h22

Confesso que quase tive uma síncope com o quiprocó ocorrido, nesta quarta (4), na conexão entre as estações Consolação (linha 2-verde) e Paulista (4-amarela) do metrô de São Paulo: depois que uma das esteiras rolantes travou, pessoas foram ao chão, caindo sobre umas sobre as outras. Na confusão, os pilares usados para separar o fluxo de gente tombaram e o barulho, confundido com tiros, aumentou o pânico e o corre-corre. Saldo: 20 pessoas feridas, sendo que 16 delas foram levadas ao pronto-socorro. Essa seria a terceira vez que este tipo de tumulto ocorre na interligação.

Para quem não conhece, a conexão, que conta com esteiras e escadas rolantes e corredores, é uma das coisas mais mal projetadas da história da engenharia mundial. Na hora do rush, de manhã ou no final da tarde, a transferência é inundada por um mar de gente, que anda lentamente em um afunilamento claustrofóbico, feito boi em matadouro. Sardinha de lata, se pegasse metrô, ficaria magoada com o aperto da ligação.

E a construção das estações da linha 4-amarela, sob a responsabilidade da iniciativa privada (Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Alston), colecionou cadáveres.

Em outubro de 2006, um operário morreu soterrado após um túnel de 25 metros de profundidade na futura estação Oscar Freire desabar.

Em janeiro de 2007, sete pessoas morreram após serem engolidas por uma cratera aberta no local onde hoje fica a estação Pinheros da linha 4.

Em fevereiro de 2011, um engenheiro de um empreiteira terceirizada morreu eletrocutado com uma descarga de 20 mil volts perto da futura estação Fradique Coutinho.

Na hora de inaugurar uma estação de metrô, políticos sorriem muito branco. Mas na hora de encontrar responsáveis por óbitos, de discutir obras apressadas ou mal planejadas, todos desaparecem rapidamente, feito os ratinhos que vivem nos túneis de trem. Ou dão sorrisos amarelos ao lançar a frase-mor da enrolação no Brasil: "uma comissão será criada para analisar o ocorrido". Traduzindo: "ei, fala com minha mãozinha, fala".

Pessoas em cargos públicos deveriam ser moralmente constrangidas a usarem transporte público. Ou, melhor: todo político paulistano deveria ser obrigado a fazer a conexão entre as estações Consolação e Paulista na hora do rush, pelo menos uma vez por semana. Para quê? Ué, não dizem que gostam do calor do povo? Bora lá.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.