Pesquisa mostra que brasileiras não se veem nas propagandas da TV
Quem só mostra mulheres ricas, loiras, jovens, magras em comerciais de TV pode não estar no melhor caminho para convencer os consumidores a comprarem seus produtos. Uma pesquisa apontou que 56% dos entrevistados não acredita que as propagandas mostrem a mulher da vida real e 64% gostaria de ver mais mulheres de classe popular em comerciais. Pedi a Jacira Melo e Marisa Sanematsu, do Instituto Patrícia Galvão, que atua em defesa dos direitos da mulher e é responsável pela pesquisa ao lado do Data Popular, um texto para este blog:
Brasileiras não se veem nas propagandas da TV
Pesquisa nacional Data Popular, realizada em parceria com o Instituto Patrícia Galvão, revela que 67% dos entrevistados gostariam de ver mais morenas nas propagandas na TV, 51% querem ver mais mulheres negras e 56% não acreditam que os anúncios mostrem a mulher da vida real. Entre os homens e mulheres entrevistados, 78% veem mais mulheres jovens nas propagandas e a maioria gostaria de ver mais mulheres maduras.
Ao analisar os dados desse estudo é possível dizer que as mulheres não apenas não se identificam com as propagandas, mas se veem também com diferentes capacidades, projetos e sonhos, que vão para além de um corpo sexualizado. Do total de entrevistados, 84% concordam que o corpo da mulher é usado como chamariz para promover a venda de produtos e 60% consideram que as mulheres ficam frustradas quando não têm o padrão de beleza das propagandas na TV.
Esses dados nos levam a concluir que há um descompasso, ou pior, um curto-circuito entre anunciantes/publicitários e as consumidoras. Embora um profissional do ramo vá provavelmente dizer que não há nada de errado com a percepção da população captada pela pesquisa, pois a publicidade opera na lógica do "aspiracional", isto é, do sonho, do idealizado, o que obviamente se contrapõe ao real, por outro lado parece óbvio que as brasileiras, que são, por exemplo, em sua maioria negras e morenas, não aspiram se tornar brancas e loiras e, por conseqüência, não se identificam com as mensagens publicitárias da TV brasileira.
A publicidade na contramão dos avanços da sociedade brasileira – A pesquisa revela também que 80% dos entrevistados consideram que as propagandas na TV mostram mais mulheres brancas, e 51% gostariam de ver mais mulheres negras. A publicidade brasileira, por preconceito de classe e de raça/cor, costuma operar com estereótipos e modelos únicos, antigos, ultrapassados e distantes do lugar das mulheres na sociedade, do seu protagonismo, e mais distante ainda do biótipo das brasileiras.
A população, segundo a pesquisa, tem a expectativa de que a representação da mulher na publicidade seja diversa em termos de idade, tipo de cabelo, cor de pele, enfim, que a propaganda não trabalhe com uma representação única. E aqui é preciso focalizar a baixa presença de mulheres negras nos anúncios veiculados na TV. Será que na cabeça de anunciantes e publicitários, a cor negra ainda remete à pobreza? Será que eles ainda operam com a ideia de que os negros no país têm baixo poder de compra e por isso não interessam como alvo de suas estratégias? Ou estamos mesmo diante de uma manifestação de preconceito racial e ignorância, uma vez que há mais de uma década dados econômicos vêm mostrando exatamente o oposto, que os negros, que hoje representam 52% da população brasileira, têm significativo e crescente poder aquisitivo e movimentam R$ 720 bilhões em consumo por ano.
A elite que faz e aprova os anúncios ainda segue o padrão europeu, porque ela própria é branca, machista e ainda carrega forte preconceito racial. E não é capaz de entender que a população negra não aspira se tornar branca, ao contrário, tem orgulho de ser negra e cotidianamente constrói suas próprias referências.
No campo publicitário, como em outras áreas da comunicação, é praxe dizer que a publicidade apenas reflete comportamentos, costumes e tendências da sociedade. No entanto, a pesquisa Data Popular/Instituto Patrícia Galvão sugere que a propaganda na TV está longe de compreender o significado e impacto da representação da mulher em sua diversidade de cor. A publicidade está distante dos sonhos e ideais em circulação nos diferentes espaços e segmentos sociais. Em outras palavras, se a mulher não se vê na propaganda, não vai se identificar nem com o anúncio e nem com o produto.
Sabe-se que a publicidade procura estabelecer padrões, mas age como se assim não fosse, como se os anúncios não reforçassem estereótipos. E é preciso destacar que essas representações revelam uma concepção unicamente comercial, desvinculada de qualquer responsabilidade sobre o papel social da mídia. É inegável que a expressão do padrão estético disseminado pela mídia em geral, e pela publicidade em especial, oferece um modelo de beleza feminina de difícil acesso, o que torna a mulher brasileira uma presa fácil de todo tipo de produto estético, em especial os que prometem milagres. E a pesquisa toca nesse aspecto e revela a percepção crítica da população: para 65% o padrão de beleza nas propagandas está muito distante da realidade das brasileiras. E, como não poderia deixar de ser, 60% consideram que as mulheres ficam frustradas quando não atingem este padrão. Resultado: a frustração feminina com a própria imagem e a consequente busca por uma aparência mais próxima dos padrões repetidos à exaustão pela mídia alimentam as poderosas indústrias da beleza.
58% entendem que as propagandas na TV mostram a mulher como objeto sexual – Há muito os movimentos de mulheres denunciam peças publicitárias que ofendem a dignidade e a imagem das mulheres, e que oferecem para as futuras gerações imagens que reforçam preconceitos. É imperativo atentar para as sérias consequências das mensagens discriminatórias que são bombardeadas em nosso cotidiano, especialmente através da TV. Ao reforçar estereótipos negativos da figura feminina – a representação que opera no plano de uma "mulher símbolo sexual", de uma "mulher ideal", de uma "mulher ilusão", de uma "mulher perfeita", sem vontade, sem autonomia e a serviço dos desejos masculinos –, a publicidade promove efeitos pedagógicos altamente negativos sobre as futuras gerações de garotos e garotas.
A pesquisa Data Popular e Instituto Patrícia Galvão tem também o objetivo de alimentar e animar um debate consequente sobre a atual concepção do órgão de autorregulação da publicidade no país, o Conar, um espaço controlado por dirigentes de agências e emissoras de TV. Também acreditamos que os dados dessa pesquisa devem estimular na sociedade o debate sobre regulação e um código de ética da publicidade brasileira.
Para acessar a pesquisa na íntegra, clique aqui.
Jacira Vieira de Melo é graduada em Filosofia pela Universidade de São Paulo, mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP, especialista em comunicação social e política na perspectiva de gênero e raça. É diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão – Mídia e Direitos. Marisa Sanematsu é jornalista, com mestrado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. É editora de conteúdos do Instituto Patrícia Galvão – Mídia e Direitos.
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