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Leonardo Sakamoto

Pesquisa mostra que brasileiras não se veem nas propagandas da TV

Leonardo Sakamoto

30/09/2013 01h54

Quem só mostra mulheres ricas, loiras, jovens, magras em comerciais de TV pode não estar no melhor caminho para convencer os consumidores a comprarem  seus produtos. Uma pesquisa apontou que 56% dos entrevistados não acredita que as propagandas mostrem a mulher da vida real e 64% gostaria de ver mais mulheres de classe popular em comerciais. Pedi a Jacira Melo e Marisa Sanematsu, do Instituto Patrícia Galvão,  que atua em defesa dos direitos da mulher e é responsável pela pesquisa ao lado do Data Popular, um texto para este blog:

Brasileiras não se veem nas propagandas da TV

Pesquisa nacional Data Popular, realizada em parceria com o Instituto Patrícia Galvão, revela que 67% dos entrevistados gostariam de ver mais morenas nas propagandas na TV, 51% querem ver mais mulheres negras e 56% não acreditam que os anúncios mostrem a mulher da vida real.  Entre os homens e mulheres entrevistados, 78% veem mais mulheres jovens nas propagandas e a maioria gostaria de ver mais mulheres maduras.

Ao analisar os dados desse estudo é possível dizer que as mulheres não apenas não se identificam com as propagandas, mas se veem também com diferentes capacidades, projetos e sonhos, que vão para além de um corpo sexualizado.  Do total de entrevistados, 84% concordam que o corpo da mulher é usado como chamariz para promover a venda de produtos e 60% consideram que as mulheres ficam frustradas quando não têm o padrão de beleza das propagandas na TV.

Esses dados nos levam a concluir que há um descompasso, ou pior, um curto-circuito entre anunciantes/publicitários e as consumidoras. Embora um profissional do ramo vá provavelmente dizer que não há nada de errado com a percepção da população captada pela pesquisa, pois a publicidade opera na lógica do "aspiracional", isto é, do sonho, do idealizado, o que obviamente se contrapõe ao real, por outro lado parece óbvio que as brasileiras, que são, por exemplo, em sua maioria negras e morenas, não aspiram se tornar brancas e loiras e, por conseqüência, não se identificam com as mensagens publicitárias da TV brasileira.

A publicidade na contramão dos avanços da sociedade brasileira – A pesquisa revela também que 80% dos entrevistados consideram que as propagandas na TV mostram mais mulheres brancas, e 51% gostariam de ver mais mulheres negras. A publicidade brasileira, por preconceito de classe e de raça/cor, costuma operar com estereótipos e modelos únicos, antigos, ultrapassados e distantes do lugar das mulheres na sociedade, do seu protagonismo, e mais distante ainda do biótipo das brasileiras.

A população, segundo a pesquisa, tem a expectativa de que a representação da mulher na publicidade seja diversa em termos de idade, tipo de cabelo, cor de pele, enfim, que a propaganda não trabalhe com uma representação única. E aqui é preciso focalizar a baixa presença de mulheres negras nos anúncios veiculados na TV. Será que na cabeça de anunciantes e publicitários, a cor negra ainda remete à pobreza? Será que eles ainda operam com a ideia de que os negros no país têm baixo poder de compra e por isso não interessam como alvo de suas estratégias? Ou estamos mesmo diante de uma manifestação de preconceito racial e ignorância, uma vez que há mais de uma década dados econômicos vêm mostrando exatamente o oposto, que os negros, que hoje representam 52% da população brasileira, têm significativo e crescente poder aquisitivo e movimentam R$ 720 bilhões em consumo por ano.

A elite que faz e aprova os anúncios ainda segue o padrão europeu, porque ela própria é branca, machista e ainda carrega forte preconceito racial. E não é capaz de entender que a população negra não aspira se tornar branca, ao contrário, tem orgulho de ser negra e cotidianamente constrói suas próprias referências.

No campo publicitário, como em outras áreas da comunicação, é praxe dizer que a publicidade apenas reflete comportamentos, costumes e tendências da sociedade. No entanto, a pesquisa Data Popular/Instituto Patrícia Galvão sugere que a propaganda na TV está longe de compreender o significado e impacto da representação da mulher em sua diversidade de cor. A publicidade está distante dos sonhos e ideais em circulação nos diferentes espaços e segmentos sociais. Em outras palavras, se a mulher não se vê na propaganda, não vai se identificar nem com o anúncio e nem com o produto.

Sabe-se que a publicidade procura estabelecer padrões, mas age como se assim não fosse, como se os anúncios não reforçassem estereótipos.  E é preciso destacar que essas representações revelam uma concepção unicamente comercial, desvinculada de qualquer responsabilidade sobre o papel social da mídia. É inegável que a expressão do padrão estético disseminado pela mídia em geral, e pela publicidade em especial, oferece um modelo de beleza feminina de difícil acesso, o que torna a mulher brasileira uma presa fácil de todo tipo de produto estético, em especial os que prometem milagres. E a pesquisa toca nesse aspecto e revela a percepção crítica da população: para 65% o padrão de beleza nas propagandas está muito distante da realidade das brasileiras. E, como não poderia deixar de ser, 60% consideram que as mulheres ficam frustradas quando não atingem este padrão. Resultado: a frustração feminina com a própria imagem e a consequente busca por uma aparência mais próxima dos padrões repetidos à exaustão pela mídia alimentam as poderosas indústrias da beleza.

58% entendem que as propagandas na TV mostram a mulher como objeto sexual – Há muito os movimentos de mulheres denunciam peças publicitárias que ofendem a dignidade e a imagem das mulheres, e que oferecem para as futuras gerações imagens que reforçam preconceitos. É imperativo atentar para as sérias consequências das mensagens discriminatórias que são bombardeadas em nosso cotidiano, especialmente através da TV. Ao reforçar estereótipos negativos da figura feminina – a representação que opera no plano de uma "mulher símbolo sexual", de uma "mulher ideal", de uma "mulher ilusão", de uma "mulher perfeita", sem vontade, sem autonomia e a serviço dos desejos masculinos –, a publicidade promove efeitos pedagógicos altamente negativos sobre as futuras gerações de garotos e garotas.

A pesquisa Data Popular e Instituto Patrícia Galvão tem também o objetivo de alimentar e animar um debate consequente sobre a atual concepção do órgão de autorregulação da publicidade no país, o Conar, um espaço controlado por dirigentes de agências e emissoras de TV. Também acreditamos que os dados dessa pesquisa devem estimular na sociedade o debate sobre regulação e um código de ética da publicidade brasileira.

Para acessar a pesquisa na íntegra, clique aqui.

Jacira Vieira de Melo é graduada em Filosofia pela Universidade de São Paulo, mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP, especialista em comunicação social e política na perspectiva de gênero e raça. É diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão – Mídia e Direitos. Marisa Sanematsu é jornalista, com mestrado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. É editora de conteúdos do Instituto Patrícia Galvão – Mídia e Direitos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.