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Leonardo Sakamoto

Teorias da conspiração são muito mais divertidas do que a chata realidade

Leonardo Sakamoto

24/10/2013 14h31

Uma amiga me trouxe uma complexa e intrincada teoria sobre um assunto polêmico. Estava indignada, com uma revolta que não cabia dentro de si, espumando pela alma. Ia até as últimas consequências contra determinada injustiça!

Dias depois, verificou-se que o fato tinha uma explicação muito mais simples do que a teoria conspiratória por ela arduamente elaborada com base em achismos da internet, filosofias de botequim e informações bastardas e tortas.

Apresentei a explicação a ela, com fontes para que pudesse checar por conta própria. Não adiantou. Ela se apegou à teoria feito um beagle a um osso suculento. E, com um ar de desdém e superioridade – que só nós jornalistas sabemos fazer muito bem – disparou contra esse peito aberto e desprotegido: "um dia, você também vai entender". Ah, morri de sunga branca!

O desenvolvimento de teorias conspiratórias me dá preguiça (suspiro…) Se há um exército que retuíta, compartilha e dá "like" sem checar a informação, é claro que também existe uma miríade que preenche o vácuo de informações fragmentadas com suas fantasias para dar sentido à sua vida.

Não nego, portanto, que tenho um certo prazer cínico de presenciar quando um desmentido atinge em cheio algum crédulo em uma conspiração boba, daquelas que afeta única e exclusivamente a pessoa em questão. A cara de decepção e de espanto. A tentativa de negar sua, até então, inabalável fé feito Pedro negando Jesus três vezes. Ou a vontade de se agarrar a um pedaço de tábua flutuando em meio a um naufrágio, feito Jack com a Rose.

Não que conspirações não existam, porque existem. Mas são importantes demais para que o impacto de sua descoberta seja enfraquecido pela sua banalização no cotidiano sem graça.

O que é mais provável: o seu jornal não ter chegado na manhã de um domingo ordinário porque um grupo de zumbis terem atacado o pobre entregador, transformando-o em um ser sem vontade além de comer cérebros humanos e ler notícias requentada? Porque uma horda de artesãs que fazem esculturas de craques de times de futebol ter atacado o entregador e roubado os jornais a fim de que fosse feito o maior papel maché do mundo? Ou o cara simplesmente se atrasou por um ingrato piriri?

Quando a gente questiona conspirações tem que ouvir que somos vendidos ao sistema e que, graças à internet, a verdade que queremos encobrir não ficará mais escondida. Porque, como afirmaria o agente Mulder, a verdade está lá fora.

Como já disse aqui antes, uma mentira contada repetidas vezes para os outros vira verdade e, para si mesmo, torna-se religião. Se a mensagem está bem estruturada, usando elementos simbólicos comuns ao universo do destinatário, que ele consegue consumir facilmente, e que faz algum sentido, por que não acreditar? Ainda mais porque questionar com profundidade leva tempo, commodity que está cada vez mais difícil juntar.

Por outro lado, o mundo sem teorias da conspiração seria menos divertido e romântico. E teríamos que assumir muitas de nossas responsabilidades sem jogar a culpa no desconhecido, no oculto, no sobrenatural, no estrangeiro.

É salutar que o porquê das coisas seja questionado à exaustão a fim de que a versão dos fatos não seja apenas a dos vencedores, como tem sido a História até aqui. Mas se, muitas vezes, aceitamos os discursos oficiais bovinamente, também fazemos isso com teorias estapafúrdias. Na dúvida, cheque com outras fontes, verifique a informação. Não seja preguiçoso. Caso contrário vamos criar uma geração de idiotas que acreditam em qualquer vídeo picareta ou em informações bombásticas em sites bonitinhos, mas tão profundos quanto alguns programas vespertinos na TV.

E se levem menos a sério, por favor.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.