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Leonardo Sakamoto

Inimigos da bermuda no cotidiano profissional têm vergonha da canela fina

Leonardo Sakamoto

05/02/2014 09h51

O Tribunal de Justiça de São Paulo tornou opcional o uso de terno e gravata em suas dependência e nos fóruns do Estado até o final do verão, exceto durante audiências. Manteve a obrigatoriedade de, pelo menos, calça e camisa social, para homens, e trajes "adequados e compatíveis com o decoro judicial" – sei lá o que isso signifique – para mulheres. Medidas semelhantes foram tomadas no Rio de Janeiro e no Espírito Santo.

É um alento, até porque estamos falando do sistema de Justiça, com todos os seus poréns e entretantos. Mas não basta.

É completamente sem sentido em um país tropical, com temperaturas que fritam ovos e bacon no asfalto e momentos de sensação térmica que vão além dos 50 graus Celsius, que sejamos obrigados a usar calça e camisa, seja para trabalhar em órgão públicos, seja para o setor privado.

Muitos escritórios da Organização das Nações Unidas ao redor do mundo tornaram não apenas facultativo o uso de terno, mas também possível a utilização de roupas mais leves, pelo motivo mais óbvio: economia de energia elétrica que seria usada pelo ar condicionado. Existe cena mais sem sentido do que um monte de gente de manga comprida, trabalhando em um prédio envidraçado feito uma estufa, com o ar no talo para vencer o calor?

Quantos de vocês, que estão em um desses aquário me lendo agora, não acham ridículo terem que ir vestidos assim? "Ah, mas o chefe disse que o cliente quer o mínimo de decência." Ué, então não roube! Até porque decência não se conquista através de vestimentas, mas de ações. E, acredite, o cliente também está suando cântaros que nem você e, se a convenção social mudasse, ele também seria muito feliz. Aliás, eu tenho mais medo dos ladrões de terno do que daqueles que usam bermuda…

Isso, é claro, quando há ar condicionado. E quem trabalha ao ar livre ou indo de um lado para o outro? Em muitos casos, a pessoa simplesmente vai derreter e cozinhar dentro das roupas que obrigatoriamente tem que usar por conta de um senso de tradição ou de decoro questionáveis.

Os contrários ao uso de bermuda e shorts no dia a dia profissional devem ter vergonha das canelas finas. Ou morrem de medo que percebam que eles não têm joelhos. Porque não há uma explicação plausível para isso.

Tradições que foram importadas em algum momento e que, reafirmadas ano após ano, deixam de ser questionadas no melhor estilo I-Juca-Pirama (em tudo o rito se cumpra), me deprimem horrores. Isso é igual a se fantasiar de veludo vermelho em dezembro! Passou da hora de aplicarmos uma descolonização estética de nossa indumentária e colocarmos o conforto em primeiro lugar.

Uma boa tática para forçar a mudança é o terror. Dia desses, participei de um evento, em que pude ver estampado nos olhos dos outros participantes de terno e gravata a inveja louca do meu look verão 2014, com sandália e camiseta. Se puder, vá mais leve ao trabalho e passe ao lado do seu colega carregado de roupa, dizendo: "Tá calor, né? Mas eu tô fresquinho".

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.