Converse com seus filhos antes que a internet os devore
– Rapaz… Mas será que é o… GABRIEL! Caramba, há quanto tempo!
– Júlio, é você mesmo? Faz tempo demais da conta!
– Que coincidência boa! O que está fazendo aqui por São Paulo? Visitando essa terra quente?
– Hehehe. Mudei pra cá por conta do trabalho. Tô morando perto daquele boteco que você me levou um dia. Na verdade, virei até prefeito de lá no Foursquare.
– Precisamos combinar uma então!
– Certamente. Ah, mas que falta de educação a minha. Esse aqui é o Rogério, meu filho. Tá no segundo ano do ensino médio. Quer prestar jornalismo, como você.
– Prazer, Rogério. A profissão não paga muito bem, hein?
– Prazer.
– E o que me conta, Gabriel?
– Tava indo agora fazer uma pauta com médicos que atendem famílias no extremo da periferia. Cada história que você não acredita…
– Muita história de escravo cubano, isso sim. Com certeza você só conta as coisas que te interessam, né? As histórias dos médicos traficados e submetidos a torturas na ilha dos irmãos Castro você nem deve abordar, né, seu comunistinha sem-vergonha?
– Acho que perdi alguma coisa. Como é que é, Rogério?
– Gabriel, perdoe o meu filho. Ele é gente boa, mas algo acontece quando ele ouve certas palavras. E férias? Conseguiu tirar finalmente ou ainda fica jogando pra frente com essa barriga – que só cresce, aliás?
– Olha, a Clarice me deu um ultimato. Era ou o trabalho ou ela. Daí, visitamos Machu Picchu e…
– Tá veeeendo! Quer dar uma de demagogo e vai para esses países pobres cucarachas da América do Sul só para postar as fotos no Facebook e dizer para os amigos "Ô, olha como eu sou legal, eu curto a estética da miséria". Deve morrer de vontade de ir para Miami, mas não tem coragem porque vai ser mal falado pelo vermelhinhos. Por que não foi para a Somália abraçar um desnutrido de uma vez, seu esquerdista-caviar… É mais um babaca que deve atender todos os caprichos da mulher, um homem que não vale o que tem entre as pernas.
– Meu, rapaz, como é que é?
– Gabe, Gabe, relaxa. Ele não é assim. É alguma coisa que dispara na cabeça dele e, de repente – puff! Escuta, é verdade que o irmão do Nelson finalmente saiu do armário?
– Saiu! O sujeito vivia deprimido, era muito triste. Um belo dia, chegou em casa e teve aquela conversa. Os pais do Nelson ficaram um pouco zuretas no começo – a mãe dele é católica fervorosa, lembra? Mas agora tá tranquilo. E tem mais: o rapaz casou e estão querendo adotar uma criança. A Clarice tava até dando um apoio e…
– Abominação! Abominação! Abominação! Uma criança criada por um par de homens vai ser o quê na vida? Uma ninguém. Capaz até de se tornar bandido. Mas a culpa não é da bicha, não. É culpa dos pais que deveriam ter batido mais quando pequeno para ele aprender que é homem é homem e coiso é coiso. Se fosse meu filho, trancava no banheiro e não abria nunca mais para não fazer a família passar vergonha.
– Olha, Júlio, eu gosto muito de você. Mas seu filho não dá, não. Ele é doente, sabia?
– Doente são vocês que gostam de defender bicha, preto, índio, tudo o que não presta, como diria o deputado. Se vivéssemos em uma sociedade decente, pegaria todos eles, jogava na cadeia e trancava a chave fora. Ou melhor, distribuiria armas lá dentro só para eles se matarem e pararem de cobrar bolsa-bandidagem dos homens de bem aqui do lado de fora. Ou botava coleira em todos esses cachorros. Botava veneno na comida deles. Botava pulga na roupa deles. Prendia todos em hastes de bicicleta pelo pescoço. Para aprender quem manda e quem obedece.
– Júlio, foi ótimo te ver. Mas não rola mesmo. A gente se vê um dia sem ele, ok?
– Gabriel. Gabriel! Ô, Gabrieeeeeeeel! Pô, filho, de novo? Você não consegue se controlar?
– Que foi, pai? Eu tava mandando mó bem! Aprendi na internet que esse papo é o que liga.
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