Organizadora do "Eu não mereço ser estuprada" recebe ameaças de estupro
A jornalista e escritora Nana Queiroz (28) é a responsável pela campanha "Eu não mereço ser estuprada", que inundou as redes sociais nesta sexta, como uma resposta aos resultados de um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Ele revelou que 26% da população concorda total ou parcialmente que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas" e 58,5% concordam total ou parcialmente que "se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros".
A campanha pediu que mulheres fotografassem a si mesmas, da cintura para cima, nuas ou não, reafirmando – com cartazes ou escrito em seu próprio corpo – que não merecem serem estupradas e circulassem as imagens pelas redes sociais com hashtags como #EuNãoMereçoSerEstuprada.
Pedi para Nana um texto sobre os resultados até agora. Se por um lado, há um engajamento crescente e uma vontade de muita gente de não mais aguentar em silêncio, de outro a constatação de que quando se tenta mudar essa realidade, o contra-ataque machista – vindo de homens e mulheres – é aterrador.
Verdadeiras e falsas coragens, por Nana Queiroz
Acordei de uma noite mal dormida e perturbada. Adormeci ao som das notificações de meu Facebook e acordei com elas. Desde que começou o protesto online "Eu Não Mereço Ser Estuprada", nesta sexta, às 20h, recebi incontáveis ofensas. Homens me escreveram dizendo que me estuprariam se me encontrassem na rua, outros, que eu "preciso mesmo é de um negão de 50 cm" ou "uma bela louça para lavar". Se ainda duvidava um pouco da verdade por trás da pesquisa do Ipea, segundo a qual 65% dos brasileiros acreditam que mulheres que mostram o corpo merecem ser atacadas, hoje acredito nela totalmente. Senti na pele a fúria revelada pela pesquisa.
Em algum momento hoje, depois que conseguir descansar um pouco, vou à Delegacia da Mulher denunciar as ameaças. Pior: vou delatar um sujeito, Cirilo Pinto, que não só confessou publicamente já ter cometido um estupro, mas afirmou que o faria novamente. Está aí o print screen da página dele, para quem duvidar. Espero que ele seja, ao menos, detido por incitar o estupro.
Centenas de perfis falsos foram criados e nosso evento bombardeado com frases machistas, pesquisas preconceituosas e montagens com fotos do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) com dizeres ofensivos. Uma imagem dele ilustrou até um evento criado para promover um estupro coletivo. Caro deputado, pense: o senhor se tornou o ídolo de pessoas que defendem o estupro. Não será a hora de pôr a mão na consciência ou no coração?
Por outro lado, estou emocionada com o tamanho que a manifestação ganhou, não só pelo número de adesões, mas pela qualidade das postagens. Um resultado inesperado me comoveu ainda mais: Dezenas e dezenas de homens e mulheres contaram publicamente, muitos pela primeira vez, seus casos de estupro. Quanta coragem!
Alguns me escreveram privadamente para desabafar. Outros publicaram para milhares. Daiara Figueroa, creio eu, fez um dos relatos mais tocantes, contando como superou o trauma do abuso. Em sua foto, vestiu com orgulho um cocar, em homenagem a seu povo indígena.
Quero falar aqui, principalmente, a essas pessoas: vamos exorcizar isso juntos. Vocês nos inspiram, nos movem e comovem. Que o mundo tenha mais pessoas com a coragem legítima de Daiara e menos com a falsa coragem de Cirilo.
*Atualizado às 16h30, do dia 04/04/2014, para a correção da porcentagem dos entrevistados que concorda total ou parcialmente que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". O Ipea errou e informou que seria de 65,1% ao invés de 26%. Apesar de menor, o número ainda é alto para a questão. O número foi invertido com outra pergunta: 65,1% dos consultados concordam total ou parcialmente com a afirmação "Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar". O que também é muito triste.
Contudo, as conclusões gerais da pesquisa apontam para a mesma direção. E 58,5% de entrevistados continua acreditando "se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". Por esses números, continuo com vergonha de ser homem. Mas também com vergonha do Ipea, um instituto extremamente relevante para o país.
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