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Leonardo Sakamoto

Ofensas a alemães na internet rendem condenação criminal a brasileiro

Leonardo Sakamoto

29/04/2014 12h06

O Tribunal Regional Federal da 3a Região condenou um internauta brasileiro que praticou e incitou discriminação contra o povo alemão. "Alemães devem ser mortos", "Matadores frenéticos na Alemanha, peguem suas armas e matem quantos alemães forem possível! Eles merecem!", entre outras pérolas, foram postadas por ele nos dias que se seguiram ao atentado ocorrido na cidade de Winneden, na Alemanha, em 11 de março de 2009, quando um ex-aluno entrou em uma escola, matou 15 pessoas e suicidou-se.

O réu trabalhou como executivo em escritórios de uma multinacional alemã tanto no Brasil quanto na própria Alemanha.

O governo alemão pediu para o Brasil apurar as declarações por suspeita de que elas poderiam estar envolvidas com atos terrorista contra seus cidadãos – o que veio a não se comprovar.

Contudo, o Ministério Público Federal em São Paulo, com o inquérito policial na mão, decidiu levar adiante o caso como crime de discriminação contra uma nacionalidade, mesmo que o governo alemão não tenha solicitado isso. O MPF tem competência legal para, através de uma ação civil pública, processar o réu em nome do bem comum.

Em sua defesa, o réu afirmou que os comentários, postados originalmente em alemão, não partiram de sua máquina e que ela poderia estar infectada por algum vírus que teria feito o servicinho sujo de permitir que outras pessoas compartilhassem o seu IP. Contudo, isso não foi comprovado. A postagem de vídeos ofensivos aos alemães, aliás, também foi feita com o mesmo e-mail e IP do usuário em questão.

Inicialmente, o juiz da 2aVara Criminal Federal de São Bernardo do Campo, onde o réu morava, absolveu-o, afirmando que não é qualquer manifestação de pensamento, mesmo que possa parecer afrontosa, que configura discriminação de determinado grupo. Segundo ele, é necessária a intenção, caso contrário seria uma diminuição indevida do direito à livre manifestação de pensamento, ainda que este direito, segundo ele, não constitua primado absoluto. Cita que manifestações contrárias à lei, como a Marcha da Maconha, são aceitas, desde que de forma pacífica.

Afirmou que apesar do réu ter usado termos "chulos fortes e, até certo ponto, ofensivos" tais manifestações ocorreram em um grupo na internet que discutia o atentado terrorista. "Discussão indubitavelmente aviltante, de baixo calão e provocadora de uma série de insultos" porém, segundo o juiz, "em nenhum momento causadora da prática de discriminação reiterada e uniforme voltada ao povo alemão". Para ele, essas colocações pontuais eram "desprovidas de um caráter pedagógico, de tentativa de convencimento de ideias".

Contudo, o procurador regional da República Pedro Barbosa Neto, em seu recurso da decisão, afirmou que o fato do governo alemão não ter solicitado punição por discriminação é irrelevante, pois o ordenamento jurídico brasileiro repudia manifestação de preconceito de origem. Da mesma forma, as mensagens terem surgido em um ambiente de bate-papo "não desnatura o evento criminoso", destacando o potencial de alcance via rede. Em sua opinião, "restou plenamente comprovado o discurso preconceituoso e odioso direcionado contra o povo alemão".

Citou o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que "a prerrogativa concernente à liberdade de manifestação do pensamento, por mais abrangente que deva ser o seu campo de incidência, não constitui meio que possa legitimar a exteriorização de propósitos criminosos, especialmente quando as expressões de ódio racial – veiculadas com evidente superação dos limites da críticas política ou da opinião histórica – transgridem, de modo inaceitável, valores tutelados pela própria ordem constitucional".

Para fundamentar seu ponto cita o Pacto de São José da Costa Rica (o pacto interamericano de Direitos Humanos), o artigo 5o da Constituição e a lei 7.716/89, afirmando que não pode ser aceito apologia ao ódio nacional, que racismo é crime inafiançável e que induzir à discriminação é crime com pena de reclusão de um a três anos e multa.

A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Região acompanhou o voto do relator, o desembargador Paulo Fontes, e condenou o réu a dois anos de reclusão em regime aberto (substituindo a pena privativa de liberdade em prestação de serviços à comunidade por dois anos e pagamento de uma compensação financeira de meio-salários), além de pagamento de cinco salários-mínimos como multa. O acórdão é de fevereiro deste ano.

"Tanto pela teoria interna quanto pela teoria externa que servem à fixação de limites ao exercício de direitos fundamentais, a liberdade de expressão do pensamento e seus correlatos na comunicação social reconhecem a existência de limites ao exercício desses direitos, mesmos nas sociedade pluralistas nas quais a tolerância com os intolerantes deve ser observada", diz a ementa do acórdão.

Segundo os desembargadores, "o réu avançou nos limites de seu direitos constitucional de expressão de pensamento".

Para fundamentar seu ponto cita o Pacto de São José da Costa Rica (o pacto interamericano de Direitos Humanos), o artigo 5o da Constituição e a lei 7.716/89, afirmando que não pode ser aceito apologia ao ódio nacional, que racismo é crime inafiançável e que induzir à discriminação é crime com pena de reclusão de um a três anos e multa.

A pena, contudo, não poderá ser executada porque o réu faleceu. De qualquer forma, a decisão do acórdão servirá como referência para outros casos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.