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Leonardo Sakamoto

Qual o problema? Eu só disse que queria vê-lo torturado, espancado e morto

Leonardo Sakamoto

17/06/2014 12h21

Post rápido porque preciso passar na rua 25 de março e comprar maracas verdes e um sombrero amarelo.

Palavras têm significados. Eles não são estanques, variam de acordo com o tempo e a sociedade em que elas estão inseridas. Somos moldados por elas, mas também as moldamos. E significados podem ser impostos ou construídos coletivamente, atendendo a um indivíduo, um grupo ou a toda a coletividade.

Respeitar o significado das palavras é importante. Da mesma forma que o contexto em que foram ditas e a forma com a qual foram proferidas. Gritar "Você é um idiota" é diferente de, durante um cafuné no colo da amada, ouvir de forma doce através de um sorriso um "Você é um idiota".

Ao mesmo tempo, por conta das facilidades trazidas pelas tecnologia, palavras nunca foram tão escritas e nunca foram tão longe.

Dito todos esses blablablás, fica a dica: se não souber o significado de uma palavra, consulte. Não use-a achando que sabe o que ela significa só porque seu amigo usou também. Apesar de ser uma prática em desuso, consulte o dicionário. Tem um monte online.

"Japonês, você quer nos censurar impondo uma ditadura da palavra!" Não, pequeno gafanhoto, só me dói ver pessoas dizendo com orgulho "sou egoísta e feliz por isso" ou "sou da elite sim e com orgulho" sem perceber o que significa o que estão dizendo.

Fiz um teste ontem e confrontei pessoalmente duas pessoas sobre o que elas acreditavam ser "egoísmo" e "elite". Quando perceberam que o que acreditavam passava ao longe do que é coletivamente entendido, justificaram-se dizendo que era assim que eles aprenderam, em blogs, colunas, redes sociais.

A vida não está nos dicionários. Mas referências são úteis para possibilitar que nos comuniquemos de forma clara.

Da mesma forma, palavras machucam. Pelo menos é o que me dizem. Não costumo passar por isso porque tenho sangue de barata nas veias, mas o uso indiscriminado de certos termos chulos ou violentos na internet agridem mais do que você pode imaginar.

"Ah, mas por que tanto drama? Não foi isso que eu quis dizer." Intenções pouco importam, o que vale é o que, de fato, você disse.

Como na internet não dá para ver que você gostaria de colocar a cabeça do outro no colo e falar de forma doce e sorridente que ele é um idiota, o que será entendido é que você chamou o outro de idiota. O que não é pouca coisa. Da mesma forma, que pedir para que alguém "torture" um blogueiro, "mate" um político ou "espanque" uma mulher que teve a coragem de dizer que fez um aborto não são brincadeiras.

Pois se alguém que, ao contrário de você, entenda o real significado das palavras compreender e internalizar a sua mensagem, a história pode não terminar bem. E a culpa também será sua.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.