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Leonardo Sakamoto

Querido diário, quando certos moços em carros vão deixar de ser crianças?

Leonardo Sakamoto

10/09/2014 19h35

Querido diário,

Hoje eu aprendi muitas coisas.

Primeiro, que o prefeito pintou um monte de faixas vermelhas na cidade.

Ficaram bonitas.

Ele disse que é para as bicicletas usarem.

Mas tem um monte de gente que diz que não, que é para carros pararem nelas.

Eu acho os carros bonitos. Gosto deles. Mas também acho as bicicletas bonitas. E gosto delas.

As ruas são tantas aqui em São Paulo, querido diário, que acho que tem espaço para todo mundo.

Então, desobedecendo a mamãe, decidi ir de novo para a escola católica na minha bicicleta bonita.

Mas, eu não consegui subir a rua na faixa vermelha na minha bicicleta bonita. Não, querido diário, eu sou forte! Consigo subir a rua na bicicleta!

O problema é que tinha muito carro parado nela.

Eu não fiquei triste por isso, querido diário.

Fiquei #xatiado por outro motivo. Quando eu tive que ir para a rua por causa dos carros parados na faixa vermelha, um moço num carro bonito passou bem perto de mim e gritou umas palavras feias.

"Lugar de bicicleta não é na rua, seu filho da puta!"

Daí eu vi um outro moço parando seu carro bonito e grande na faixa vermelha pintada. E sei que isso não era certo. Não era certo mesmo! Fui falar isso pra ele. E ele respondeu também como palavra feia:

"Dane-se! Não me enche o saco!"

Querido diário, amanhã eu vou para a escola católica na minha bicicleta bonita de novo.

E de novo. E de novo.

Porque acho que, alguma hora, esses moços e essas moças dos carros bonitos vão se cansar de ser tão crianças, não é?

Um abraço e boa noite.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.