Mentira. Não está faltando água em São Paulo
O paulistano é bicho engraçado. Escolhe uma esfera de poder (federal, estadual ou municipal) e torce por ela loucamente, defendendo-a com unhas e dentes e eximindo-a de responsabilidade pela responsabilidade que efetivamente tem. É um amor incondicional a grupos no poder que tenho uma certa dificuldade em entender.
– Tá rolando racionamento de água lá em casa dia sim, dia não.
– Não está faltando água em São Paulo.
– Uma batida da polícia espancou o filho de uma vizinha que estava voltando do trabalho porque o confundiu com um traficante.
– A polícia não age assim. Se apanhou, é porque era bandido.
– Uma amiga está na fila da creche até agora e não conseguiu vaga.
– Não faltam vagas em creches. Ela não procurou direito.
– A moça que trabalha lá na empresa está na oitava série e mal sabe ler.
– Culpa dela que não estudou direito.
– Só consegui marcar uma consulta com o cardiologista do hospital público para novembro.
– Devia ter agendado antes.
– Mais uma favela queimou e os moradores não têm para onde ir.
– Se não consegue pagar, não more na cidade.
– A criançada tá brincando do lado do córrego que é um esgoto a céu aberto. Vão pegar uma doença.
– Certos pais deveriam perder a guarda das crianças.
– Eu ralei o joelho ao cair da bicicleta por conta de um buracão no asfalto.
– A culpa é sua, a rua é para carros.
– Não dá para entrar no trem ou em ônibus em horário de pico.
– Dá sim.
– Falta luz no meu bairro toda a semana.
– Mentira.
– Fui parado em uma blitz porque sou negro.
– Isso não existe.
– A iluminação é péssima, fico com medo de voltar sozinha à noite.
– Mentira.
– Nessas noites frias, dá dó desse pessoal que dorme na rua.
– Tá com dó? Leva pra casa.
Daí, chegamos ao principal culpado por tudo isso: você.
E não reclame. O mundo está pior exatamente por conta de gente que reclama.
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