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Leonardo Sakamoto

Ajude o Brasil a chegar vivo ao dia 26 de outubro

Leonardo Sakamoto

07/10/2014 09h52

Amigos silenciando amigos no WhatsApp.

Amigas bloqueando amigas no chat do Facebook.

Companheiros que marcam mensagens de velhos conhecidos como spam no e-mail.

Casais que rompem violentamente após discussões políticas e seguem para o Tinder, deixando claro em seus perfis recém-criados que só dê "match" quem vota na sua candidata ou seu candidato.

Pais que são chamados na escola depois que a filha armou um bullying contra a amiguinha, levando à pobre menina a tomar (mais) rivotril, só porque ela estava vestindo vermelho/amarelo.

E, o pior: mães que se negam a passar o purê de batatas para os filhos na mesa do jantar após descobrirem em quem eles votarão no segundo turno.

Essa sensação de que o pessoal, ensandecido, vai explodir tudo até o final do mês me põe na pele de Charlton Heston, na cena final de Planeta dos Macacos, o original de 1968 – abaixo adaptado à realidade brasileira.

É… A vida não tá fácil, não.

Afinal, política é bom e é sensacional que as pessoas estejam vivendo, fazendo e respirando política. Mas fazer política significa também estômago forte e alma tranquila, considerando que está em jogo a forma pela qual achamos que o país ou o estado devem ser conduzidos. Ou seja, em tese, o seu interlocutor – seja ele um avatar estranho teclando loucamente em uma rede social ou o seu melhor amigo lançando perdigotos em um debate acalorado – não é seu inimigo. Ele está no mesmo barco e, também em tese, compartilha com você um mesmo objetivo comum: uma vida melhor.

Enfim, manter um mínimo de civilidade é importante, como sempre lembro por aqui. Até porque a vida continua depois que os santinhos forem reciclados e aquelas grandes casas de comitês eleitorais em bairros nobres voltarem a ser apenas cassinos clandestinos.

Quando uma amiga jornalista me escreveu, nesta manhã, dizendo que brigou com uma pessoa querida por conta de mimimis de campanha, decidi trazer novamente um texto que já havia publicado por aqui, mas que traz uma reflexão importante:

Acho o ó do borogodó só ter amigos e amigas que concordam com você. Há pessoas (e jornalistas e colunistas) que parecem não aceitar serem questionados. Desejam, ao contrário, uma boa claque. Talvez para afastar os medos e inseguranças sobre suas próprias crenças.

Certas frases soam para mim como um estalar de martelo em uma bigorna. "Porque sim, ué" é o que me vem à cabeça como resposta para a pergunta "Por que você é amigo de fulano de tal que defende aquele candidato/aquela candidata?".

Aí sou obrigado a escutar um rosário de argumentos do porquê de uma pessoa X, Y ou Z ser inapropriada para o convívio social, dado os seus posicionamentos políticos.

Talvez o sobressalto e a tentativa de me convencer a largar mão de almoçar com alguém que considero agradável sejam até maior pelo fato de me enxergarem como uma pessoa progressista (sobe fundo musical com "A Internacional": O que? O japonês é de esquerda? Por Nossa Senhora de Fátima! Vou abandonar este blog demoníaco já! Sakamoto, volta pra Cuba, que é seu lugar! Vá ver Cuba lançar foguetes! Não, para Cuba ele não vai porque lá não tem caviar. Mas tem médico escravo! Cuba, lança, Cuba!)

Quando dou risada da situação ou insisto na perda de tempo dessa discussão, surgem teorias para explicar o comportamento humano – afinal, muitos acham que são PhD no assunto só por terem lido Sabrina quando jovens:

– Então, são amigos desde o colégio!
- Não, o cara salvou ele de ser devorado por uma morsa mutante e, desde então, rola uma dívida de gratidão.
- Transplante de rim, sabe? Doação…
- Imagina, só é amigo porque o outro lhe emprestou dinheiro.
- Ah, ele faz isso para provocar e mostrar que é plural. Um pedante.

Acredito que meu ponto de vista está correto, mas isso não faz dele uma Verdade Absoluta – até porque verdades absolutas não existem, nem mesmo esta aqui (olha o nó na cabeça de quem faltou nas aulas de filosofia do ensino médio). Não mais – ao contrário do que boa parte dos leitores de blogs e de redes sociais acreditam.

Uma outra pessoa pode defender que a forma mais correta de acabar com a fome, a violência, as guerras, a injustiça seja por outro caminho. Desse enfrentamento de ideias e de propostas sairá um vetor resultante que apontará para uma direção, dependendo da correlação de forças envolvidas, dos atores dedicados a isso, da aceitação dessas propostas pelo restante de uma sociedade.

Eu sei que é duro acreditar nisso em período eleitoral, com as duas campanhas lançando mísseis uma contra a outra e, pior, distribuindo granadas à população para que elas entrem na guerra também.

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Não acredito na independência do Banco Central, mas há quem ache bom. Ótimo, vamos discutir os argumentos que embasam as diferentes posições e não chamar o outro de canalha ou burro, esquerdista idiota ou direita fascista, e travar por aí a discussão. A saída para contrapor uma voz não é um xingamento, mas sim outra voz.

Discordo visceralmente de muitos discursos que ouço, mas nem por isso acho que eles não tenham o direito de vir a público. Pelo contrário, repetindo Voltaire, discordo, mas defendo o direito de que seja dito. Lembrando que aqueles que incitarem a violência e o ódio terão que responder criminalmente por isso. Eu ouvi alguém falar "Levy" aí no fundo?

Muitos simplesmente repetem mantras que leem na internet, ouvem em bares ou veem na igreja e não param para pensar se concordam ou não realmente com aquilo. É um Fla-Flu, um nós contra eles cego, que utiliza técnica de desumanização, tornando esse outro uma coisa sem sentimentos.

Isso é muito útil durante eleições polarizadas, mas péssimo para o cotidiano.

Somos seres complexos com múltiplos níveis de relações. Tenho colegas conservadores politicamente, mas liberais em comportamento que guardo em muito mais estima do que colegas progressistas politicamente, mas com um discurso e prática comportamentais bisonhos. Pois não é possível defender a liberdade dos povos e transbordar machismo, tratando a esposa como uma serva em casa, não é? Crimes são cometidos e escondidos sob a justificativa de que determinado membro defende os ideais do grupo e, portanto, deve ser protegido. Seja em uma associação de produtores rurais, seja em um sindicato de trabalhadores.

É mais fácil pensar de forma binária, preto no branco, os de lá, os de cá. Mas, dessa forma, a vida vai ficando mais pobre. Sem o direito ao convívio diário com aqueles que pensam de forma diferente, estancamos em nossas posições, paramos de evoluir como humanidade. Do outro lado sempre estará um monstro e do lado de cá os santos. Isso sem contar a impossibilidade de apreciar tudo o que o outro tem de melhor – do ombro amigo à conversa inflamada em uma mesa de bar.

De uns tempos para cá, tornou-se mais frequente ter que defender algumas amizades publicamente diante de insultos de outros amigos.

Nunca pensei que seria necessário dizer isso, mas peço a cada um buscar seu quinhão de felicidade à sua maneira e deixe que os outros façam o mesmo, considerando o quão contraditória é nossa sociedade.

Humildemente, sugiro que busquem a tolerância no diálogo até o dia 26 de outubro, mesmo que firme e duro, e se perguntem se acham que estão certos a todo o momento, uma vez que nossa natureza não de certezas e sim de dúvidas e falhas que só poderão ser melhor percebidas no tempo histórico.

E com a ajuda dos outros.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.